Líderes espirituais: ajudam ou atrapalham?
* Texto escrito por José Chadan
O cenário brasileiro é composto principalmente pela religião católica (trazida para cá pelos colonizadores portugueses) e pela umbanda (trazida pelos escravos africanos). Mais tarde, oriundas principalmente dos Estados Unidos da América, o cenário brasileiro assimilou o protestantismo das chamadas igrejas tradicionais (presbiteriana, batista, metodista, etc), que deram ensejo as mais diversas ramificações, chamadas de pentecostalismo e/ou evangelicalismo (igreja Deus é amor, Renascer em Cristo, Congregação Cristã no Brasil, dentre inúmeras outras).
A religiosidade, não importando a forma, é um fenômeno humano. Todo homem precisa crer em algo que o transcenda. Seja em um deus, em deuses, em ideais políticos (que culminam por ter um caráter quase que religioso- basta ver como ditadores, socialistas ou comunistas tratam suas políticas e líderes, erigindo até mesmo estátuas para os mesmos), ou em qualquer outro elemento a quem se dirija devoção e fidelidade.
A religião, seja ela qual for, supre por um lado as faltas de respostas que nós, seres humanos e limitados em conhecimento (mesmo em pleno século 21), temos sobre o mundo que nos cerca, e por outro lado, supre a necessidade por sentido da vida, que nos guie e oriente espiritualmente, com a finalidade de nos auxiliar a lidar com os conflitos cotidianos, bem como no crescimento pessoal de cada um.
Quando uma pessoa adere à esta ou aquela forma de religião, consequentemente ela elege para si um diretor espiritual (o padre, pastor, guru, guia). Este diretor teria teoricamente e em principio, o papel e a função, de “abrir” os caminhos para que aquele que está sob seus cuidados possa ter plena possibilidade de se desenvolver, adquirindo autonomia, liberdade e crescimento em vários aspectos de sua vida. Isto claro, sempre tendo em vista os limites da ação do dado diretor espiritual, posto que nem em tudo ele poderá intervir.
Há, porém, formas de religiosidade e tipos de diretores espirituais, que ao invés de abrir caminhos para a emancipação e crescimento pessoal e espiritual dos que estão sob seus cuidados, fecham-lhes as possibilidades para tal, infantilizando-os.
A infantilização ocorre quando:
Se impõem dogmas que não podem ser questionados. Isto enrijece as formas de pensar e as soluções. Por exemplo: um indivíduo que é dependente de álcool, é avisado pelo pastor de que os beberrões não entrarão no reino dos Céus. O que levaria este indivíduo que é dependente químico, a sentir remorso e se afogar mais e mais na bebida, num ciclo que não findará, a não ser que o pastor tivesse outra atitude. Investigar junto a este individuo o por quê de ele ter se tornado um dependente de álcool, o fator desencadeador do vicio, para então “curá-lo”, não apenas por meio de uma “oração forte”, mas por meio de práticas diárias de autoestima, dialogo e esclarecimento racional (sem deixar nunca de lado a fé curadora de Cristo).
São propostas soluções rápidas e imediatas, ao invés de mostrar que toda e qualquer solução ou alivio para um problema só vem após e com muito trabalho. De que Deus teria criado o homem para o trabalho. É assim que tem sido desde Adão, que arava com suor a terra a fim de fazê-la produzir os frutos a ela destinados.
Quando o diretor espiritual, impede seus subordinados que dialoguem com outras formas de religião ou mesmo com as pessoas laicas, não possibilitando à eles enxergarem outras visões de mundo que seriam enriquecedoras (mesmo que num primeiro momento se discordasse delas ou num segundo, se continuasse discordando).
O amadurecimento e crescimento pessoal e espiritual ocorre quando:
O pastor, padre, guru…enfim, o diretor espiritual, ao invés de tolher a compreensão dos que estão sob seus cuidados, dizendo como se diz a uma criança: faça isto, não faça aquilo, opta por dizer como a um adulto, explicando (o mais que puder) o que é cada coisa, conscientizando o indivíduo a que tome a escolha por si mesmo, assumindo os riscos e consequências de seus atos. Dando autonomia ao referido individuo.
Se propõe à pessoa com determinado problema, não uma reza forte um culto de benção (nada contra estas práticas), mas antes, propor um trabalho paciente e concentrado sobre o problema em questão. Dando assim, senso de trabalho e persistência ao referido indivíduo.
Se abre espaço para o dialogo com outras formas de religiosidade e até mesmo com não religiosos sobre problemas comuns a todos os humanos. Aumentando assim a visão que cada um tem das questões e auxiliando no crescimento da compreensão que cada um possui dos mesmos.
Portanto meu amigo, avalie a forma de religiosidade a que você escolheu pertencer e de como lhe conduz seu diretor espiritual. Se ele o infantiliza, tratando-o feito um neném que nada pode por si mesmo, ou se abre caminhos para seu crescimento pessoal e espiritual, dando-lhe autonomia e emancipando-o frente às dificuldades da vida.
E lembre-se: há bons diretores espirituais em todas as formas de religião, assim como há maus diretores espirituais em toda forma de religião (seja por má fé ou incompetência).
Boa sorte em sua caminhada! Cresça pessoal e espiritualmente, abra espaços para autonomia e emancipação, tomando a frente e responsabilidade por suas ações. Caso considere seu diretor espiritual ou sua religião ruins, antes de deixá-los, pondere, toda religião ou diretor espiritual pertence a uma instituição limitada dentro de um contexto histórico e cultural. Muitas vezes, mudar de comunidade ou diretor não adiantará muito. Converse com seus pares e até mesmo com seu diretor, pois até ele tem dificuldades. Talvez esteja aberto a ouvir e pronto a mudar se preciso for.
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*José Chadan possui bacharelado e licenciatura em filosofia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2004) e licenciatura plena em História pelo Centro Universitário Assunção (2006). Lecionou no ensino público de São Paulo durante quatro anos e é também autor do livro de poesias intitulado Barca Melancólica (Fonte Editorial). Apresentou comunicações em conferências realizadas pela SOBRESKI (Sociedade Brasileira de Estudos Kierkegaardianos), deu palestras para alunos de universidades e institutos. Atualmente é mestrando em filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Seus principais trabalhos estão publicados em blogs e em sua pasta compartilhada na web. http://www.pistosdarazao.blogspot.com.br
Bibliografia
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