Pelo direito de chorar
Sou privilegiado, consigo testemunhar um dos momentos mais belos em se tratando da natureza humana: o choro.
Sou admirador do choro, não aquele histérico, exagerado e que esconde o sentimento real, mas aquele que vem de uma grande rendição à vida e o reconhecimento de nossa profunda vulnerabilidade diante do desconhecido.
Temos pouco espaço psicológico para o choro. De forma geral as pessoas se constrangem com o próprio choro e dos outros e tentam consolar como forma de estancar o constrangimento. Eu particularmente acho lindo.
Lembro-me da época de minha vida que havia me doutrinado a não chorar para não parecer tolo, fraco ou com a guarda baixa para que os outros me explorassem. Não há postura mais triste do que essa, eu chorava em forma de pedra por dentro.
Aprendi a chorar, a deixar que minhas emoções pudessem desaguar em mim sem que eu precisasse me mostrar sempre intacto, eu não era inviolável.
Gradualmente fui permitindo o choro discreto escorrer no canto dos olhos na hora do filme no cinema que ninguém vê. Depois fui chorando às claras até que agora me permite chorar por qualquer motivo que o valha, ou até sem motivo.
Toda vez que choro eu sinto uma avalanche de bem estar que inunda meu corpo e parece fazer uma massagem no meu peito. Consegui ainda por esforço e dedicação reunir pessoas que me acolhem carinhosas quando eu choro. Com o tempo elas aprenderam que não gosto que me interrompam, me consolem, me encorajem ou dêem tapinhas nas minhas costas para estancar a convulsão que me toma.
Devo confessar: choro muito feio. Não é algo bonito de se ver, é um punhado de lágrimas, com grunhidos sentidos, quase um fado português, se tempo falar fica pior porque soluço, faço cara de coitado e cachorro que caiu da mudança. Honestamente, não me importo. Meu choro é feio, mas é lindo.
Tenho uma personalidade que aprendeu a administrar grandes testemunhos de dor. Eu diria que por respeitar completamente o direito de chorar eu o incito com uma habilidade quase natural. Testemunhos muitos choros por dia e consigo me apaixonar ainda mais pelo ato de chorar.
Eu consigo ver aquela pessoa que entrou embrutecida, cheia de razão, firme em propósitos de vingança, raiva e indignação pouco a pouco se desmantelar diante de mim. Ela sai leve, aberta, paradoxalmente forte e molhada. O choro devolve a verdadeira dignidade que estava sacrificada pela “força” de quem tudo aguenta.
Aguentamos muito pouco, somos bem frágeis em nossas convicções e rastejamos de joelhos na vida empurrando nossas “verdades” em cima dos outros só para denotar firmeza de caráter.
Em essência, somos eternas crianças carentes de colo e não há problema em se resgatar de tempo em tempos esse dom de cruzar as pernas em forma de índio e deixar que aquela água salgada que sai dos olhos fale por nós.
Eu não me considero um psicólogo, prefiro me ver como um chorólogo. Sei que cada lágrima que cai diante de mim quer me dizer alguma coisa e eu a ouço com um sorriso no rosto que diz: seja bem vinda…