“Gosta de sofrer, hein?”
*Por Frederico Mattos
“Nossa, mas ela gosta de sofrer, hein?”
Ouvi essa frase de uma amiga que se referia a outra que sempre escolhe o lobo mau mesmo tendo encontrado o príncipe encantado.
Mas porque uma mulher interessante, inteligente e bonita se deixaria sempre submeter a esse tipo de vitória à curto prazo que depois causa tantos problemas em sua vida?
Pelo mesmo motivo que uma mulher permanece casada com um homem bêbado ou um filho permanece ao lado da mãe abusiva e dominadora: existe vantagem no sofrimento.
A motivação humana funciona num sistema de recompensa tal qual um cachorro bem treinado, basta dar o reforço que ele irá deitar, rolar, dar a pata e voar, se pudesse.
O tipo de reforço mais comum e nunca revelado é a sensação de poder e dominância que certos comportamentos conferem.
Na vida cotidiana aspiramos ser o melhores, mesmo que secretamente, até sobre o gatinho peludo que nos aquece os pés.
Qual a estratégia mais certeira para ser o melhor numa numa comunidade muito moralista? Ser percebido como um ícone moral, ainda que não autêntico. Mas se eu for incapaz de me impor nessa comunidade, pelo menos que seja supremo dentro de casa. As vítimas favoritas são os filhos e o cônjuge.
Um marido problemático fará de sua mulher uma mártir que suporta grandes tragédias. A olho nú pode parecer uma migalha moral, mas para pessoas que tem uma autoestima decadente é o único alento que resta.
A traição do marido pode criar dramas (e alegrias) sem fim para uma esposa que pleiteava subir no palanque moral do matrimônio e afirmar com gosto “sou melhor e mais nobre que você, nunca faria isso”.
Esses teatros emocionais subliminares são tão abundantes que até achamos normais, mas muitas pessoas sobrevivem emocionalmente dessa síndrome de pequeno poder conjugal.
A excitação que advém dessa manobra (medíocre e supostamente compensadora) é tão sedutora que uma pessoa não consegue dar um passo à frente para não abrir mão do seu reinado invisível.
Um filho que não consegue sair do lado da mãe pode reclamar que não tem liberdade e sofre com o relacionamento amoroso travado, mas ele sabe que a velha mamãe está sob o seu julgo e que abrir mão dessa herança emocional é menos importante que encarar os revezes de um novo amor.
Essa trama secreta e inconsciente se aplica para qualquer tipo de sofrimento, do filho drogado (a mãe que abdica sua vida quase inexistente para “curar” o filho problemático) ao emprego insuportável.
O prazer soberbo desse poder masoquista é menos desafiador que o prazer da vida plena tão cheia de contradições e metas ousadas.
A donzela que citei acima não larga o lobo mau porque se sente a chapeuzinho vermelho favorita. Será que um dia terá coragem de largar a cesta de doces e se tornar uma adulta num relacionamento de verdade?
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* Frederico Mattos: Sonhador nato, psicólogo provocador, autor do livro “Mães que amam demais”. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas cultiva um bonsai, lava pratos, oferece treinamentos de maturidade emocional no Treino Sobre a Vida e se aconchega nos braços do seu amor, Juliana. No twitter é @fredmattos.
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