Suicídio

O suicídio é um tema pouco discutido na faculdade de psicologia, não me lembro de ter visto esse assunto em debate.

Sempre me perguntei sobre os motivos que levaram uma pessoa a tentar (e as vezes conseguir) tirar a própria vida?

Fim, para quem?

Conheço pessoas que tentaram suicídio, já atendi pessoas que fizeram essas tentativas (uma delas conseguiu) e outras que presenciaram uma pessoa amada se suicidar.

Minha avó sempre comentava sobre seu pai, que era uma pessoa muito querida dela, mas que em certo momento da vida entrou numa fase ruim, começou a se comportar de maneira estranha e deu um tiro na própria cabeça. Perto dela. Isso atiçou minha curiosidade infantil.

Os motivos

Uma em cada 10 mil pessoas se matam no mundo. É sempre difícil enumerar os motivos que levam uma pessoa a cometer suicídio, mas raramente é um ato súbito e sem premeditação.

De forma geral é qualquer perda real ou imaginária de algo com o que a pessoa se identifica fortemente e trás um sentimento de poder pessoal.

  • Perda de um relacionamento amoroso
  • Perda de emprego
  • Perda de status social
  • Perda de dinheiro
  • Perda de estima familiar
  • Perda de referenciais signiticativos (como gostos, hábitos ou religiosidade)

Uma sociedade inóspita

Nosso mundo tem uma combinação de fatores potencialmente letal para predispor as pessoas a um grau de desencantamento emocional.

Alta oferta de produtos de consumo (viagens, artigos de luxo, roupas de marca, eletronicos incríveis) + desigualdade de condições sociopsicológicas + isolamento urbano + competitividade acirrada + estilo de vida objetificante + emoções e relacionamentos com pactos volúveis + Múltiplos caminhos sem parametros orientadores + famílias desestruturadas + educação para o imediatismo e o perfeccionismo + vida apressada e impessoal.

Para uma pessoa razoavelmente equilbrada esse cenário já é altamente estressante e desencantador, imagine para uma pessoa que esteja em uma situação de vulnerabilidade psicológica, familiar, física ou social.

Homens, mulheres e adolescentes

O suicídio é 4 vezes mais frequente em homens do que em mulheres.

Homens costumam tirar a própria vida porque se sentiram diminuídos ou desonrados. Tiveram seu orgulho pessoal ferido por conta de uma traição amorosa, perda financeira ou endividamento. Os métodos mais violentos e eficazes são usados por eles como enforcamento, tiro ou lançamento de altura.

Mulheres costumam usar métodos mais passivos como medicamento, ausência de alimentação e exposição a riscos urbanos.

Nos adolescentes os estudos ainda não são definitivos, pois se acredita que muitos recorrem a vias indiretas do suicídio como uso de drogas e envolvimento em comportamentos de risco ou acidentes.

As causas

A maior parte dos casos de suicídio estão associados a algum quadro de psicopatologia (esquizofrenia, depressão grave ou transtorno bipolar) ou uso de drogas. Claro, que nem todos que possuem esses quadros irão se matar, mas é um grupo de risco maior.

Entendo que os aspectos psicológicos são inúmeros, mas vejo a personalidade humana como um cadeidoscópio de subpersonalidades ou identidades.

Cada pessoa tem um batalhão de identidades dentro de si.

As vezes uma identidade assume o controle e ficamos possuídos por uma só forma de expressão emocional. Nessas horas ficamos cegos por uma única maneira de enxergar o mundo e sentimos tudo pela lente do zangado, do orgulhoso, do vingativo, do apaixonado e do mimado. É como se fôssemos apenas uma só personalidade.

Quando os pensamentos de morte chegam até a pessoa ele costuma estar associado à uma dessas identidades. Então é como se surgisse um diálogo interno em que uma identidade quer exterminar a outra. O sofrimento é daquela identidade específica que quer ver tudo mudado e num cenario tranquilo. Ela se vê encurralada e sem alternativas e as outras identidades se aliam naquela fixação. Ela rouba a energia das demais.

Quando a pessoa realmente decide pelo ato suicida ela vai tentando exterminar aquela sensação impregnada na identidade que está paralisada. Se ela pudesse transitar para outras formas de identidade ou alcançar outras dimensões da sua personalidade talvez alguma saída fosse possível.

Se a identidade de filho não se sente aceita pelos pais aquele jovem poderia perceber que a identidade namorado está preservada das outras e que aquela própria imagem de filho está limitada enquanto filho do pai ou da mãe. Se o problema é com o pai ele poderia perceber que a identidade de filho de sua mãe está preservada. E na medida que fosse transitando de identidade em identidade perceberia que só um fragmento dela está abatido e que outras tem mais força e nessas deveria ser investido energia. [leia mais]

A rua sem saída é só de uma identidade que se sente acuada e acaba contaminando as outras que estariam preservadas.

Quem fica

O sentimento para quem fica é devastador. Nesses casos o processo de luto é mais perturbador e é comum que as pessoas comecem fazer uma retrospectiva que justifique ou explique a razão do suicídio. A culpa é algo comum, afinal todos sentem que poderiam ter feito algo para impedir.

Quando o caso é de um jovem é bastante comum o casal de pais entrarem numa fase de acusação velada ou explícita que resulta em separação. No caso de conjuges a vida emocional de quem ficou paralisa no tempo.

Se foi um filho pequeno ele tenderá a passar muitos anos tentando entender o que aconteceu de forma racional ou simplesmente fugindo do medo de perder as pessoas queridas (com um comportamente muito prestativo e até acelerado ou evitativo e agressivo).

Esse filme mostra um pouco esse cenário [clique aqui].

Cartas

As cartas costumam ser de dois tipos: as autopiedosas ou as acusatórias.

As autopiedosas são do tipo autoacusatórias e derrotistas, a pessoa se considera fraca, incapaz e um peso para o mundo. Ela se atribui o fracasso de conviver com as pessoas e seguir a diante. Procura liberar qualquer  peso dos familiares nas despedidas e faz questão de escrever isso nas cartas.

As acusatórias costumam ter um alvo bem definido que pode ser chamado de “o mundo”. Algo do tipo: “o mundo (o pai) não me entende o que eu digo e ninguém (a mãe) me ama!”. É comum dizer que está cansado de tudo e que nada mais adianta e que as pessoas ainda vão se lembrar dele e se arrepender por não terem dado mais valor.

O que fazer para previnir

A prevenção ao suicídio é muito delicada. Os meios publicitários evitam alarmar casos de suicídio pois já se comprovou que isso parece encorajar outras pessoas a decidirem pelo mesmo caminho.

A velha tese de cão que ladra não morde é enganosa. Quem avisa que vai se matar pode realmente fazer isso. Na dúvida cerque a pessoas de cuidado, nessa hora toda ajuda é necessária, psiquiatra, psicólogo, avise os amigos (delicadamente e sem alarmes, algo do tipo “gostaria que você ficasse mais atento no fulano, porque ele tem tido algumas ideias perigosas que o machuquem”).

Alguns sinais que podem apresentar, mas que carecem de um olhar mais atento (e mesmo esse pode passar despercebido, ainfal ninguém imagina que alguém está criando estratégias para se matar)

  • Perda de vitalidade
  • Reclamação constante
  • Reclusão em casa
  • Afastamento dos amigos
  • Comportamento fechado, calado ou até meio irritado
  • Falas raivosas ou excessivamente autopiedosas
  • Atitudes que coloquem em risco a vida como uso de drogas, alcool ou envolvimento em acidentes

De qualquer maneira entendo que a atitude menos sensata é tentar encontrar uma causa única ou alguém que seja o responsável por aquilo. Mesmo que a pessoa alegue a responsabilidade de alguém o suicídio é um de muitos caminhos escolhidos e nem sempre a causa alegada é a razão real.

Usar de uma condenação moral para afirmar que alguém é corajoso ou covarde em tirar a própria vida também me parece ser pouco útil. Estamos falando de vida e ninguém consegue realmente se colocar no lugar de alguém que toma a decisão derradeira de desligar um botão que leve consigo a própria vida. Na maior parte das vezes a pessoa quer encontrar alguma forma de paz.

De qualquer forma eu gosto dessa pequena charge do amigo Fábio Rodrigues que deixa caminhos abertos e inexplorados da condição humana como ponto de abertura.

________________

Outros artigos relacionados

O que falar para alguém que está prestes à morrer? – Nota de falecimento de R.

Você usa as pessoas

Qual o seu sonho mais profundo?

O poder dos relacionamentos

Você nunca mais vai amar do mesmo jeito

Você abandonou a criança que existe aí dentro de você

Você é só mais um

Você vive no automático

Sobre o sofrimento

Por que temos dificuldade em perdoar?

Dependência, apego e morte

Qual diferença você faz nesse mundo?

O que faria se pudesse voltar ao passado?

Você dá o seu melhor na vida?

Olhar de turista

7 tipos de felicidade

Vida Ideal e Vida Real

About the author

Sonhador nato, psicólogo provocador, apaixonado convicto, escritor de "Como se libertar do ex" e empresário. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas medita, faz dança de salão e lava pratos.

Related posts