Porque a gente se resolve na cama

“Eu estava muito brava com o fato dele ter me deixado esperando horas e depois chegar com a cara de pau e uma desculpa idiota. Mas o maior inferno é que ele simplesmente conseguiu me dobrar com abraço por trás e uma mordida na minha orelha. Quando vi a gente já estava transando loucamente no chão da sala. Minha raiva tinha passado todinha.”

Sempre na cama...

Ouvi essa história real essa semana no meu consultório. Uma mulher linda, bem sucedida e sempre com uma opinião na ponta da língua consegue se derreter para o seu namorado (que não a assume publicamente) mesmo depois de passar muita raiva.

A gente resolve todos os nossos problemas na cama!“ Será?

Já acompanho essa moça há um tempo e esse relacionamento é recente. Já conversamos sobre muitos assuntos, dos mais dramáticos e sensuais aos mais inspirados sonhos de vida. Nunca a vi tão transtornada como agora. Seu relacionamento anterior terminou por ela considerar morno e sem vida. O namorado era legal, atencioso e “fofo” como ela dizia, mas “faltava uma emoção“. Notei que por trás de sua fala “nos resolvemos na cama” havia uma tristeza imperceptível para um olhar menos atento.

Ela não estava nada feliz.

Em certo momento lhe perguntei: se o sexo não tivesse rolado o que teria que ser resolvido? Ela desabou a chorar. “Tudo, ele parece uma ventania que aparece quando, onde e como quer. Me deixa insegura, me trata sempre como décima opção e no final das contas transamos tão gostoso que eu esqueço tudo até ele sumir de novo.

Esse não é um problema exclusivo dela. Sexo é delicioso e quando rola um sentimento de intimidade, respeito e amor é um poderoso estimulante para a vida. No entanto, o sexo para muitos casais pode ser um escudo que obscurece conflitos de relacionamento que parecem sem solução.

Aquela mistura de sexo com raiva dispara mecanismos cerebrais extremamente vigorosos. A descarga de adrenalina, endorfina e serotonina no corpo chega a picos elevadíssimos. É como um efeito viciante. Segundo o neurocientista Martin Portner, no caso da mulher, na hora do orgasmo ocorre uma cessação de sentimentos que a deixa momentaneamente longe de julgamentos e raciocínios complexos.

 

 

Esse cenário é um belo convite a deixar os problemas debaixo do tapete.

Mas isso não acontece só em relacionamentos conturbados como esse. Os casais comuns sufocam seus conflitos usando o sexo como rolha de emoções difíceis. Um casal entediado e que já não sabe  colocar a vida em movimento transa para obter uma recompensa que não preenche o problema real.

Os homens são educados a se desconectar dos seus sentimentos mais profundos. Desde cedo ouvem frases como “não chore“, “reaja“, “enfrente“, “não seja mole!”. Ele é naturalmente impelido a resolver seus dilemas descarregando sua energia pro meio da ação. Ações rápidas e com recompensa imediata. Os raros momentos em que ele procura afeto genuíno é na hora do sexo. Hora que ele irá fazer sua terapia diária ou semanal.

As mulheres já são mais conectadas ao sentimento. Precocemente é recomendado a ela: “vá conversar com seu amiguinho“, “seja uma boa menina“, “feche as pernas e se comporte” e “seja gentil com os outros“. O sexo, portanto, é apenas mais um canal de manifestação de suas emoções. Seus conflitos tem outra extensão e necessitam de várias condutas para serem diluídos.

Para o homem, portanto, é muito mais fácil ficar numa boa simplesmente fazendo sexo, sem nenhum questionamento sobre a qualidade de seu relacionamento. Para ele, se existe sexo o relacionamento é bom. Sem nenhum preconceito nisso, é simples assim. Ele não se dá conta das nuances emocionais que estão presentes nos gestos e falas de uma mulher. Mesmo os caras sensíveis ou ansiosos por agradar comem bola na leitura corporal e verbal de uma mulher.

Nessa história de resolver as coisas na cama, de fato, só resolve para o homem. A mulher continuará a ver navios. Gozando loucamente, mas vendo navios…

* Texto publicado originalmente no site do CASAL SEM VERGONHA

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About the author

Sonhador nato, psicólogo provocador, apaixonado convicto, escritor de "Como se libertar do ex" e empresário. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas medita, faz dança de salão e lava pratos.

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