Todo amor é platônico
Quem nunca passou dias, semanas, meses ou até anos admirando de longe uma pessoa sem nunca arriscar uma palavra, gesto ou declaração de amor?
Minha adolescência foi recheada de amores assim.
Eu olhava aquelas meninas de longe e ficava imaginando mil cenários, encontros românticos, cheios de luzes, músicas e promessas de amor eterno (sim, eu sou um romântico enrustido). Eu ouvia músicas que falavam de amores impossíveis (na época, Leandro & Leonardo) e sofria pela rejeição que passava.
Numa dessas experiências contei para um amigo sobre uma menina. Ele gostava de me provocar e fez o favor de contar para ela. Meu mundo caiu, pois a menina (que sempre ficava andando pra lá e pra cá no pátio da escola) começou a olhar pra mim. Minha autoestima de rato branco de laboratório fez o favor de perturbar o andar da carruagem. Eu pensava que ela estava caçoando de mim. Passei a fugir dela como o diabo foge da cruz. Eu era tímido, não sabia como reagir!
Essa experiência me fez chegar numa conclusão (tinha 13 anos), que eu preferia a menina que estava na minha cabeça do que a menina de verdade.
O tempo passou e agora posso formular melhor esse pensamento: no final das contas sempre nos apaixonamos pela pessoa que está na nossa cabeça. Raramente pela pessoa real!
Olhe para uma foto da pessoa que você ama, a do Facebook por exemplo. Talvez lembre do sentimento das primeiras vezes viu a foto: a esperança, o frio na barriga, o suspense e um monte de sonhos. Alimentamos uma relação que sequer se concretizou. Com o passar do tempo essa foto toma outras feições e se o relacionamento acaba, nem conseguimos olhar para a foto.
O que mudou, a foto ou nosso olhar?
Com certeza não foi a foto ou a pessoa, mas nossos olhos que mudaram.
Isso me faz pensar que essa é a origem para as maiores mágoas, decepções e brigar que um casal enfrenta. Não brigamos com a pessoa real, mas com a imagem ideal que guardamos dela versus a imagem real.
Fantasiamos que a pessoa deva reagir de um jeito e ela reage de outro. Não aceitamos essa incoerência e brigamos com o outro sem muitas explicações.
A pessoa, tal como é, sempre contraria nossas fantasias mais secretas.
Nossos sonhos platônicos nunca incluem dinheiro, logística, mau humor e contratempos. Tudo é um encaixe perfeito.
Quando aquela menina passou a me olhar eu fui tirado de minha sensação confortável. Meu controle acabou e eu já não podia manipular sua imagem como eu queria. No dia que estava feliz eu imaginava ela correspondendo aos meus beijos (que eu nem sabia como dava), mas no dia que eu estava triste fantasiava ela me deixando.
Isso não muda muito quando estamos com uma pessoa real. Olhamos nela o que há em nós. Isso se chama projeção, pois os óculos que usamos delimita aquilo que conseguimos enxergar. Podemos nos sentir perseguidos com um simples “Bom dia!” e amados com um “me deixa em paz!”. Nossos ouvidos emocionais só captam aquilo que queremos.
“Isso quer dizer que não amo meu namorado de verdade, Fred?”
Sim, ama, mas o namorado que você inventou na sua cabeça. Se você amasse seu namorado real, dificilmente iria se decepcionar, magoar ou surpreender com alguma atitude dele. No seu mundo ideal tudo está sob o controle de seus desejos e toda as carências são atendidas sem hesitação. Porque é natural que tudo mude, no entanto queremos que elas fiquem iguais e inabaláveis.
Quando deixamos uma pessoa e entramos em outro relacionamento apenas transferimos as expectativas de um corpo para outro na esperança que aquela pessoa se encaixe em nosso amor platônico ideal.
Então, não importa se você fica ou vai com aquela pessoa ou a outra, é a sua fôrma emocional que está com problemas…
Freud tem uma frase que resume esse pensamento: “o mundo não é um berçário”
Portanto, se você quer viver uma experiência real de amor saia de sua cabeça e se apaixone por uma pessoa que não seja você mesmo.
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