Corajoso é quem pergunta
* Por Eduardo Benesi
“Cuidado com gente que não tem dúvida. Gente que não tem dúvida não é capaz de inovar, de reinventar, não é capaz de fazer de outro modo. Gente que não tem dúvida só é capaz de repetir.” Mario Sérgio Cortella
“ É melhor perguntar duas vezes do que perder o caminho” – provérbio dinamarquês.
Constantemente, vejo pessoas criticando gente que pergunta demais. Os perguntões costumam ser tachados de inseguros, débeis e até sonsos. Principalmente quando você é novo em algum lugar. Eu sou desse time: pergunto a mesma coisa pelo menos duas vezes. Não sei se é algum problema de assimilação, cognição, distração, dislexia… Semana passada, fiz até teste de audição e a médica disse que meu ouvido estava tinindo a nível: posso escutar uma formiga tropeçando. Já me disseram também que eu tinha TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), e eu tenho boas desconfianças de que eu realmente sofro desse palavrão, mas prefiro não conferir se é verdade, talvez porque esses crachás estigmatizantes não sirvam para muita coisa, a não ser para “minimizar” a intranquilidade de um hipocondríaco.
Preciso dizer que quando vejo qualquer pessoa dizendo em público que não sabe alguma coisa, eu vibro e não é não é por sacanagem. É por identificação. Hoje, ousar não saber de algo em meio à academia brasileira do Google é uma ofensa das piores. O Google é uma munição tão presente e prática, que as pessoas nem pensam como elas seriam sem ele, é como um segundo cérebro, tão garantido, que acabamos perdendo a licença para sermos leigos. Preciso dizer também que piro mais ainda quando um intelectual diz não saber algo. Isso me tranquiliza , me tira daquele senso de incapacidade vindo do modo comparativo. A fragilidade do outro não deveria soar como ponto fraco, mas como uma permissão para nós. Não estou aqui criticando os que não perguntam , minha crítica é em relação a tudo aquilo ou aquele que te impede de perguntar.
É absolutamente providencial quando um livro que estou lendo, sem querer, corrobora com um texto meu. É o feliz caso de “A coragem de ser imperfeito”. Nele, a escritora Brene Brown investiga os mecanismos e gatilhos que fazem com que as pessoas sintam vergonha de se expor. Ser vulnerável, segundo ela é um fator de grande colaboração com a nossa ousadia. “É verdade que quando estamos vulneráveis ficamos totalmente expostos, sentimos que entramos numa câmara de tortura (que chamamos de incerteza) e assumimos um risco emocional enorme. Mas nada disso tem a ver com fraqueza” diz a autora em uma das passagens do livro.
A vergonha é também uma forma de intimidação que serve de hábil instrumento de alienação ou para cultivar funcionários resignados. É muito comum alguns chefes não terem paciência com quem pergunta e isso é um problema grave para quem o colocou naquele posto. Não existe chefia mais despreparada, preguiçosa e nociva para um empregador do que um superior incapaz de dividir o que sabe com o mínimo de atenção e empatia.
“Quando vemos a vergonha sendo usada como ferramenta de gerenciamento e controle (novamente, isso significa bullying, criticas na frente dos colegas, repreensões públicas ou um sistema de recompensa que intencionalmente humilha as pessoas), é preciso tomar providências claras porque pode estar havendo uma infestação de cupins na empresa ou instituição. E devemos lembrar que isso não acontece da noite para o dia. É necessário também ter em mente que, se os funcionários forem obrigados a conviver constantemente com a vergonha, é certo que estarão repassando essa cultura para clientes, colaboradores, alunos e famílias.” (pág 140).
A extensão do conhecimento não se alinha à arrogância de quem acha que tudo sabe. Gosto da frase que diz: “só morre afogado quem sabe nadar”. Aprender a converter a vergonha em coragem é o câmbio mais produtivo que você pode fazer por si. Em minhas viagens, eu adoro sair sem muita segurança com o mapa. Isso me permite perguntar para as pessoas o caminho a seguir, e consequentemente que eu conheça mais gente. Por conta do meu inglês falho, não consigo entender frases muito longas, então costumo perguntar a mesma informação para duas pessoas diferentes. Se a informação bater é porque eu entendi, mas se há conflito, eu desempato perguntando para um terceiro. Em suma, o único tipo de pergunta que não é saudável é aquela que invade um espaço pessoal de alguém, sem que você tenha essa liberdade, de resto, use e abuse.
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* EDUARDO BENESI é Pedagogo, consultor cultural, formou-se também no teatro para atuar escrevendo. É um hispster inconfidente que carrega bandejas com cebolas gigantes para viajar o mundo, e o seu rodizio é de terça-feira. Pede tudo sabor queijo, da abraço demorado e tem um site em que coleciona pessoas e instantes: o www.favoritei.com.br