ETIQUETA CULTURAL PARA ARROGANTES INTELECTUAIS
*Por Eduardo Benesi
A gente sabe: anda faltando tolerância entre as pessoas. A constante polarização de opiniões, típica das redes sociais, alavanca um tipo de agressão completamente desnecessária. Todo assunto se transforma em arquibancada, e as pessoas começam a ferir quem é discordante, perdem a razão, precisam estar certas, mesmo que isso seja na base da pancadaria. Sabe aquele tipo que precisa ostentar conhecimento chamando o outro de burro? Sabe aquela coisa de quinta série do tipo: “num acredito que você num sabe isso, até uma criança de 5 anos sabe!” ? Pois é, isso existe no mundo adulto, e acontece toda hora. A desculpa principal geralmente é a gramática do outro, mas tudo o que eu souber e o outro não, pode virar uma pedra em potencial para mais tarde. Talvez seja natural: quanto mais você se intelectualiza e tempera a sua visão de mundo, mais você se decepciona com o lado raso do outro. Falo dessas agressões gratuitas, falo dos donos do pedaço, falo do salto alto. Gente politizada que pensa exercer um domínio ou direito de opinião maior do que quem é menos politizado ou simplesmente não é. Pode acontecer em todo lugar, inclusive nas rodas intelectuais. Até na minha panela cinéfila tem gente ditando o que é bom ou ruim. Sujeito que faz faculdade de cinema impondo sua opinião, como se o cinema não fosse também algo pertencente a quem recebe, como se cada um não tivesse seu próprio universo de subjetividade e critérios próprios. Pensando nessa falta de gentileza com o que o outro não sabe, fiz essa lista para mostrar como funciona esse tipo de opressão, que sinceramente só serve para mostrar o quanto tem gente egoísta com o próprio conhecimento. Fica então a sugestão: e se você resolvesse dividir o que sabe ao invés de simplesmente rejeitar quem não sabe?
1- Ninguém se enriquece culturalmente apenas porque leu livros
Estamos em uma era tão cheia de possibilidades, que é no mínimo reducionista você achar que só quem lê livros pode alcançar a iluminação intelectual. Sim, ler livros é um caminho, mas não só. Eu, esse ser apaixonado por cultura, tenho como principal fonte de conhecimento o cinema. Ele me formou e continua me formando enquanto pessoa, ou ser pensante. Os próprios blogs e as redes sociais trazem conteúdos altamente relevantes e que não necessariamente se transformam em livros. A música possui diversos mecanismos interessantes para aguçar nosso senso crítico, a tropicália é um bom exemplo. Mas, se você escolheu o caminho dos livros não pense que isso te coloca acima da humanidade, nem te habilita a exigir que os outros trilhem o mesmo caminho. O conhecimento é uma estrada cheia de alternativas, não só a sua.
2- As pessoas (geralmente) não erram Português pra ofuscar a sua superioridade intelectual.
Existem n motivos para alguém errar português, não apenas porque a pessoa bagunçou na época de colegial ou por maneirismo cibernético. A norma culta não é uma obrigação, é uma convenção. As pessoas não aprendem igual, não possuem o mesmo cognitivo, não têm as mesmas oportunidades de letramento, não lêem os mesmos livros, não fazem as mesmas faculdades, não tiveram os mesmos pais, nem professores. A gramática é importante enquanto identidade cultural, mas acima de tudo ela serve como elo de comunicação e até por isso ela muda, ela nos serve, ela se transforma para acompanhar o que mesmo? Ah, a nossa comunicação. Não consigo deixar de pensar que toda patrulha gramatical costuma servir apenas para uma coisa: o autoelogio praticado por quem acusa e não para ensinar os outros a falarem/escreverem corretamente. Corrigir um amigo com cuidado e descrição é bem diferente de ser grosseiro e oprimir alguém que apenas não aprendeu algo que você faz questão de mostrar que já aprendeu antes.
3- Funk carioca é cultura sim!
A cultura tem muito de elitismo. Se existe um estilo musical que você não gosta, não quer dizer que ele não possa ser considerado objeto de cultura. Cultura é representação, é algo que fale a sua língua e represente o seu mundo, a sua identidade, as suas experiências enquanto ser social. No Brasil o Sertanejo, o Axé, o Pagode e o Funk carioca são tidos como gêneros menores por não serem consumidos pela elite, por não tocarem em assuntos que a elite atesta como importante. Se você não faz parte da realidade representada por algum desses gêneros talvez não tenha nenhuma propriedade para avaliar se aquilo é inferior ou não.
4- Não importa quantos filmes você já viu, importa o que você absorveu de cada um.
Contar quantos filmes você viu em um ano é bacana, mas isso nem de longe comprova que você esteve entregue a todos eles. A nossa memória geralmente capta partes relevantes, que mexem com nosso campo de interesse emotivo ou intelectual, e embora você consuma um produto cultural em grande quantidade, isso não é uma garantia de entendimento ou de repertório. Se você consome algo e não pensa sobre o por que disso ter mexido com você, talvez esteja fadado a apenas achar tudo apenas “legal”.
5- Você não precisa aderir ao mundo do “finjo que sei de tudo porque joguei no Google”.
Hoje em dia, a nossa timeline é tão cheia de informações googadas e privilegiadas, proferidas pelos “donos do pedaço”, que a gente acaba se sentindo culpado quando não sabe ou não quer opinar sobre algo. E não, você não precisa opinar sobre tudo, às vezes se calar até é um grande favor que você faz, caso não tenha a tal propriedade exigida pela comissão dos privilegiados da informação. Mas nunca abra mão de se informar, ser bem informado é um requisito social que te torna no mínimo relevante para o mundo. Você também pode falar merda, não é proibido, mas os outros não são obrigados a concordar. Mas principalmente, você tem sempre o benefício de não saber sobre algo, e dizer que não sabe, nunca é vergonha.
6- Existe também alienação ao contrário.
Se você deixa de ler Paulo Coelho porque um intelectual disse que é ruim, se você le revista de fofoca dentro da “Caros Amigos” pra num passar vergonha, se você simplesmente acha a revista “Veja” ruim sem nem saber o porque, se você diz amém para tudo o que o Sakamoto diz, só porque é o Sakamoto, talvez você também seja um alienado. Ser alienado não é gostar de “cultura fácil”, ser alienado é aceitar de forma passiva tudo o que lhe é dito. É receber todo tipo de verdade sem balancear os pontos divergentes. Então saiba que o alienado existe em todo lugar, tanto numa legião coxinha em uma praça de alimentação quanto num grupo de marxistas em botecos undergrounds.
7- Você dificilmente educa o olhar do outro na base da agressão
Não me canso de ver gente repetindo a velha fórmula do ironiquinho ou do hostil . Fazer ativismo e ficar horas bolando teorias geniais para postar no seu Facebook pode render likes deliciosos e também abrir os olhos da galera que você considera acéfala, mas ficar toda hora destilando sua acidez , negatividade e rebeldia sobre todo e qualquer assunto pode também mostrar o quanto o seu mundo é fincado no prazer negativamente orientado e no quanto você pode apenas estar bancando o chato em busca de ser querido. Observando o comportamento sobre como as pessoas reagem a uma militância da qual não concordam, principalmente em relação aos que militam com ironia exagerada, percebo que quando as partes discordantes entram em atrito, não existe convencimento, nem ideias, nem argumentos. As pessoas simplesmente não se “escutam”. Educar o olhar do outro através da conversa, talvez seja um caminho menos fácil, porém mais eficiente para uma questão polêmica.
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* EDUARDO BENESI é Pedagogo, consultor cultural, formou-se também no teatro para atuar escrevendo. É um hispster inconfidente que carrega bandejas com cebolas gigantes para viajar o mundo, e o seu rodizio é de terça-feira. Pede tudo sabor queijo, da abraço demorado e tem um site em que coleciona pessoas e instantes: o www.favoritei.com.br