Não tenho inveja de gente bonita
* Por Flavia Valadares
Não tenho inveja de gente bonita, mas morro de inveja de gente que se SENTE bonita.
Não vou discorrer sobre “padrões de beleza”, sobre fugirmos ou aderirmos a eles. A inveja também já foi deliciosamente abordada em outro texto. Explico: escrita preta em fundo branco ou escrita branca e fundo preto podem ter exatamente os mesmos dizeres.
Traduzindo: afirmar ou negar um padrão dá no mesmo em termos psíquicos.
Minha idéia aqui é sobre sensações. Ser bela é uma coisa. Coisa polêmica beirando o politicamente incorreto e, ao mesmo tempo, obrigação (indubitavelmente mais pesada para as mulheres… mas diferença de gênero também não é o foco aqui agora). SENTIR-SE bela é algo beeeem mais difícil hoje em dia.
Engana-se quem pensa que todas as belas mulheres de fato SENTEM-SE assim tão belas (vide depoimentos de algumas beldades famosas e anônimas). O contrário também é verdadeiro: há as não tão belas que SE ACHAM. Essas sim são invejáveis para mim.
A gente perde um tempo enorme, dinheiro e, pior, expectativas, tentando buscar a tal beleza. Má notícia: para a maior parte de nós ela (a beleza física) é mesmo intangível. Então fui buscar um exercício A MAIS, mais complexo que academia, dieta, e intervenções estéticas mais ou menos invasivas : a sensação de beleza.
Sentir-se bela é estar confortável na própria pele. Sentir-se bela tem a ver com a forma como a pessoa se vê no mundo: merecedora de olhares, de desejo, de amor, de estar no mundo simplesmente. Sentir-se bela é um exercício de liberdade: permitir-se abandonar crenças limitantes e julgamentos implacáveis. Sentir-se bela é um exercício de fé: acreditar que o corpo é um templo para a vida, para o trabalho, para o amor, para a felicidade. Sentir-se bela é um exercício de humildade: ter consciência do próprio tamanho, saber das finitas limitações e das infinitas potencialidades do Ser. Sentir-se bela é um exercício de generosidade consigo e com o mundo.
Sentir-se bela traz leveza: vivemos leves quando temos certeza do nosso valor. Sentir-se bela traz empatia: enxergamos beleza no outro também. Sentir-se bela traz sensualidade = gosto pela vida: quem está confortável na própria pele flui pela vida. Sentir-se bela traz mais beleza. Sentir-se bela traz alegria. Sentir-se bela traz vida.
Desejo que, ao invés de buscarmos ideais intangíveis de beleza, nos SINTAMOS belas e merecedoras de simplesmente prosperar no mundo.
Ressalva 1: Este texto não tem restrição de gênero. Escrevi-o no feminino por licença poética e por vontade de incorporar mais e mais essa sensação na minha vida.
Ressalva 2: Não ofereci nenhuma desculpa para o descuido com a aparência, mas sim outras fontes de busca de bem estar.
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Flávia Valadares: cirurgiã oncológica, aprendendo a ensinar medicina, curiosa demais, bicho-do-mato cosmopolita, ex-obesa, “metamorfose ambulante” em busca de equilíbrio e paz, expressando cada dia mais seu amor firme e fluido por si e pelos outros.