A arte da imperfeição – Brene Brown
* Por Thalita Thome
“Escrever nossa própria história pode ser difícil, mas não é tão duro quanto passar a vida fugindo dela. Aceitar nossas vulnerabilidades é arriscado, mas não é tão perigoso quanto desistir do amor, do pertencimento e da alegria, que por outro lado, são as experiências que nos deixam mais vulneráveis. Somente quando tivermos coragem suficiente para explorar a escuridão, descobriremos o poder infinito da nossa luz” – Brené Brown, A Arte da Imperfeição
Brené Brown se auto-intitula pesquisadora da Vergonha. Seu primeiro livro, ‘I thought it was just me (But it itsn’t)’ explica como funcionam os mecanismos da vergonha e o que podemos fazer para desenvolvermos resiliência à ela. No meio do processo de investigação, a autora se depara com dois grupos de pessoas: os que tinham uma sensação de valor próprio muito bem sedimentada, e os que tentavam firmar essa sensação. Ao primeiro grupo, ela deu o nome de ‘Plenos’. O livro a ‘Arte da Imperfeição’ surge do processo de autoconhecimento de Brown, que se viu desesperada para ‘desver’ o resultado de sua própria pesquisa.
A autora conta de forma bem humorada como ocorreu o choque de descobrir que sua vida se encaixava perfeitamente na descrição de pessoas “Não-plenas” e o que fez para buscar ajuda e superar a sensação de desespero. A leitura e permeada de definições claras e técnicas práticas para colocarmos a mão na massa com nossos problemas, entre elas o botão DIA, que é aquele botão que apertamos quando não aguentamos mais passar a terceira noite acordados fazendo trabalho para as 7:30 da manhã do dia seguinte, quando temos que levantar no meio da noite para limpar mais um vômito, temos aquela pilha de trabalho atrasado para entregar, estamos no final de um plantão de 24 horas, ou temos que sorrir para um chefe tirano que secretamente queremos chutar. É aquele botão que revela um nível secreto de esforço quando há muito o que se fazer e pouco tempo para cuidar de si.
A maioria dos botões DIA por aí (inclusive o meu) consiste em velhos recursos: forçar limites, cumprir deveres e aguentar firme, vulgarmente conhecido como ‘engole o choro’, ‘chorar não vai fazer o ________ se fazer sozinho’. Quem consegue se ver livre do botão por algum tempo, também não fica satisfeito, pois coisas começam a não ser feitas. Qual é a alternativa então? Brené, em cada capítulo, dá sugestões de estratégias práticas para evitar a agressão e a auto-piedade em nós mesmos, baseada em estratégias que ela observou em pessoas plenas. O método é: Deliberar, Inspirar-se e Agir.
Mas afinal, o que essas pessoas fazem de diferente? A que elas dão valor? Como criaram tanta resiliência em suas vidas? Quais são suas maiores preocupações e como as resolvem ou enfrentam? Por que não conseguimos os mesmos resultados?
A pesquisa da autora fez surgir 10 pontos recorrentes na vida de pessoas plenas. São eles:
1) O Cultivo da Autenticidade – É basicamente deixar de ser quem devemos ser, para sermos quem somos. Tem a ver com não se diminuir e nem se colocar em um pedestal, mas viver serenamente naquele que é o seu espaço.
2) O Cultivo da Auto-Compaixão – É o abandono do escudo pesado do perfeccionismo através da prática da gentileza com a gente mesmo. Falo mais sobre auto-compaixão [aqui];
3) O Cultivo da Resiliência – É a capacidade de superar adversidades e sentir profundamente todos os sentimentos, mesmo os ruins. Aliás, esta é uma constatação importante: Não dá pra entorpecer os sentimentos seletivamente. Se você decide entorpecer os sentimentos ruins, também entorpece os bons.
4) O Cultivo da Gratidão e Alegria – Normalmente chamamos de alegria uma emoção humana relacionada com circunstâncias favoráveis em nossas vidas e de felicidade um estado de espírito que não depende de circunstâncias, geralmente relacionado à gratidão. Na versão brasileira de ’The Gifts of Imperfection’, esses conceitos vieram invertidos, pela tradução de ‘joy’ como ‘alegria’ e ‘happiness’ como ‘felicidade’. O importante desse capítulo é a relação que a autora faz entre a prática de gratidão (prática mesmo, não ideia, noção ou atitude) e a alegria. Segundo ela, a prática da gratidão é o meio pelo qual alcançamos a alegria e esta combinação luminosa é ameaçada pela escassez (’não dormi o suficiente’, ’não tenho dinheiro o suficiente’, e suas variações).
5) O Cultivo da Intuição e Fé – A intuição é definida aqui como um processo de associação inconsciente que pega informações que absorvemos e as combina como se fosse um quebra-cabeça mental, e aí temos aquela sensação de que estamos fazendo algo por ‘instinto’. Tem gente que chama isso de sexto sentido também. O problema é que a necessidade de certeza que temos, principalmente nos dias atuais, faz com que a gente fuja desse estado de incerteza e busque confirmação nos outros (“O que você acha?”, “Devo fazer?”, “Você acha que é uma boa ideia ou vou me arrepender?”) ou então tome decisões precipitadas (“Vou fazer e pronto”, “Não aguento não saber”). O ponto importante é que a intuição não funciona apenas de uma maneira. Às vezes ela te dá respostas, e às vezes nos diz pra procurar mais informações quando as que temos não são suficientes. Pessoas plenas sabem disso e usam a fé como um apoio natural para a intuição. Para essas pessoas, fé é
“… Um lugar misterioso, onde encontramos coragem para acreditar no que não podemos vez e força para abandonar nosso medo da incerteza”.
6) O Cultivo da Criatividade – Cultivar a criatividade é criar. Seja um prato para o jantar (quando isso não é uma obrigação), escrever, fazer artesanato, montar um look. Porém, a criatividade é prejudicada quando existe comparação e competição;
7) O Cultivo de Brincadeiras e Descanso (sim, você leu certo) – Esse é o meu capítulo favorito. Segura essa sobre as pessoas plenas: elas brincam! Igual crianças em alguns aspectos. É claro que a gente não precisa pegar as bonecas e os carrinhos, mas podemos (devemos) fazer algo que não tenha um objetivo específico. Isso não é uma escolha, é biológico. O oposto de brincar não é o trabalho, é depressão. Nossa sociedade valoriza tanto a produtividade que não é de se estranhar que mal temos tempo de fazer coisas tão importantes quanto brincar e descansar. Pessoas plenas sabem a hora de impor limites às cobranças da sociedade. Para mim, este foi o ensinamento mais importante do livro.
8) O Cultivo da Calma e Tranquilidade – Cultivar calma e tranquilidade significa viver sem tornar a ansiedade um estilo de vida. Pessoas plenas entendem que a ansiedade existe e é uma realidade, mas que transformá-la em regra é patológico e precisa de cuidados especiais. Calma e tranquilidade são aspectos que podem ser treinados, não são características de personalidade com as quais você nasce ou não.
9) O Cultivo do Trabalho Significativo – Cultivar um trabalho significativo não significa ter um trabalho da moda ou ser muito rico. Significa ter uma meta, trabalhar para alcançá-la e se sentir bem por isso. Pessoas plenas conseguem observar a importância do que fazem e a complexidade de si próprias, que jamais poderia ser reduzida a uma simples profissão. Um trabalho significativo também não tem nada a ver com a obrigatoriedade de se aventurar em uma carreira incerta com pouca segurança financeira. Aqui, a autora nos dá exemplos de pessoas plenas que se dividem entre o ‘trabalho que paga as contas’ e o ‘trabalho que alimenta a alma’ e relata que para muitas delas, essa é a única combinação que transforma eficientemente sua complexidade interior em contribuição para o mundo.
10) O Cultivo do Riso, Música e Dança – Este capítulo pode ser resumido em uma frase: abrir mão do controle. Riso, música e dança são atividades profundamente sociais e tem o poder de nos reconectar com os outros. Quando rimos, somos obrigados a deixar de lado o peso de estar vivo mesmo que seja por breves instantes, quando ouvimos uma música, somos movidos emocionalmente por ela, e quando dançamos, estamos voluntariamente quebrando o pacto de julgamento sobre nossos próprios corpos.
A busca pela plenitude é uma jornada. Não é algo que possamos riscar da nossa lista de tarefas, tampouco é garantia de que estaremos blindados contra infelicidades e incertezas. Blindagens são opostas à plenitude. Só é possível alcançá-la quando abrimos mão de nos defendermos de sentimentos ruins. No entanto, não embarcamos em uma jornada sem antes afinar nossas ferramentas e juntar nossos companheiros de viagem. A plenitude não é uma jornada solitária. Ela só é possível quando feita em conjunto e com instrumentos de qualidade, como compaixão, coragem e amor.
E você, está pronto para embarcar nessa jornada?
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*Thalita Thomé: neta da Dona Neuza, estudante de psicologia, praticante do Método DeRose, leitora compulsiva e entusiasta do amadurecimento emocional. Aos 15 anos saiu de casa para fazer intercâmbio e descobriu que existia um mundo além do interior do Paraná onde nasceu. Hoje pega ônibus pelas ruas gélidas de Curitiba, dá aulas de inglês e toma sorvete na Cold Stone. Compartilha as belezas e as dificuldades da vida com o seu nego, Valmir. Não tem twitter porque não curte. Pode ser encontrada pelo email thome.thali@gmail.com