COMO É TIRAR UM ANO SABÁTICO

*Por Eduardo Benesi

Lá fui eu. Já tinha visto em filmes e lido textos inspiradores sobre o tal “ano sabático”. O ano em que você tira um tempo para você. Uma pausa justa para se desconectar de alguma pressão, decepção ou cansaço – principalmente em esfera profissional.

A primeira coisa é observar que socialmente, existe uma grande diferença entre férias e ano sabático. A palavra “férias” é entendida pelo senso comum como um intervalo merecido para que você descanse de um período de esforço legítimo. O Ano sabático muitas vezes é definido como “frescura de bacana”. Num mundo em que as pessoas definem o valor pessoal das outras pela escolha profissional é preciso ser muito desconectado das normatividades alheias para encarar sem culpas uma licença física e mental dedicada a você mesmo.

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Existe em muitos países uma cultura de culpa ao ócio. É como se as pessoas só fossem dotadas de valor social caso estejam bem estruturadas em seus empregos. É como se elas se sentissem culpadas por seus tempos livres e inclusive confundissem isso com tédio. Quem nunca quis ficar em casa de pijama sem precisar necessariamente se ocupar de uma tarde consumista ou de programas que você nem estava com tanta de vontade de fazer.

O estudioso  Domênico De Masi salienta em seu livro “O ócio criativo” a provável configuração da ideia de trabalho associada ao lazer no futuro:   “O futuro pertence a quem souber libertar-se da ideia tradicional do trabalho como obrigação ou dever e for capaz de apostar numa mistura de atividades, onde o trabalho se confundirá com o tempo livre, com o estudo e com o jogo, enfim, com o ‘ócio criativo'”.

Tenho lido alguns textos na internet dizendo que viajar é apenas uma futilidade ou carência por curtidas. E talvez até seja. Mas é interessante como as pessoas insistem em achar que todo mundo tem que se adequar às visões delas sobre as coisas. Viajar pode ser uma prioridade de vida. Você escolheu ter um apartamento, cinco filhos, um casamento cenográfico, o carro do ano ou ganhar pouco e levar uma vida feliz sem nada disso. Eu escolhi viajar. Por que isso afeta tanto os outros? Será que no fundo as pessoas se incomodam com a viagem dos outros porque isso faz lembrá-las de suas algemas e frustrações? Eu sei, eu sei, viajar é um privilégio e eu quero é que mais gente tenha condições para isso. Eu sou desses que quer que o aeroporto vire rodoviária mesmo.

Percebo no mundo intelectual dos “pago de sujinho e descolado, mas finjo que não” que o ato de viajar deixou de ser algo cool  e virou alvo de crítica ao elitismo coxinha. Eu realmente acho que existe gente alienada e omissa querendo fugir pra Europa por pura alergia à realidade torta da política brasileira – sem ter movido uma palha para que a situação mude. Mas observo em algumas pessoas ironicamente “viajadinhas”, uma necessidade de tentar mostrar que não são do tipo  esquerda elitizada apesar de já terem feito as suas próprias viagenzinhas. Eu acho legal esse esforço para tentar não parecer algo, mas continuo achando que você viajar ou não, ser ou não de família rica, não te acorrenta a exercer uma atitude injusta em relação ao coletivo. Você não precisa deixar de viajar ou ficar tentando mostrar que tem menos do que tem pra legitimar as suas opiniões sobre um mundo mais justo. Tem tanta gente nesse mundão viajando sem ou com pouco dinheiro, vivendo relações pautadas em gentileza, levando a vida de uma forma nômade e preenchida. Talvez o que você esteja precisando é de um período sabático, quem sabe na Coreia do Norte, porque assim fica parecendo imersão de hipster em realidades extremas e não capricho de playboy querendo curtidas no Big Ben.

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benesi* EDUARDO BENESI é Pedagogo, consultor cultural, formou-se também no teatro para atuar escrevendo. É um hispster inconfidente que carrega bandejas com cebolas gigantes para viajar o mundo, e o seu rodizio é de terça-feira. Pede tudo sabor queijo, da abraço demorado e tem um site em que coleciona pessoas e instantes: o www.favoritei.com.br