Carta para uma suicida – dia #11 [sobre a morte]

Sobre a morte

*Por Frederico Mattos

A morte é o fim. Sempre o fim, não importa se anuncia um recomeço ou o desaparecimento definitivo, é o fim da vida como conhecemos.

Eu sempre namorei a morte, a perspectiva do fim, acabou me trazendo vivacidade nos dias em que eu estava distraído de mim.

Tenho um hábito tolo, a cada viagem de avião, me despeço das pessoas próximas e dou algumas instruções sobre a logística pós-morte. Mas o prato principal é que me dou a licença poética para fazer as declarações de amor mais bregas, dramáticas e sensacionalista. Minha mãe só consegue ouvir a parte do “se eu morrer…” e quase nunca o “…quero que saiba que tenho muito orgulho de você, mãe”.

Não, definitivamente não é nada mórbido. É a coisa mais viva e gostosa que temos à nossa disposição.

Lembro que a morte do meu pai me deu uma perspectiva curiosa sobre a vida. Fiquei arrasado com sua partida, quase um torpor, um senso de desrealização, um pesadelo sereno em câmera lenta. Era minha mente me desacelerando para eu olhar tudo mais de perto. Como não estava acostumado a me olhar de perto chamei isso tudo de desespero, mas eram minhas identidades tentando se recompor. Isso é o luto.

Nunca podemos tomar nenhuma decisão seria nessa fase, estamos remexidos, vulneráveis, acovardados e pessimistas. As boas decisões surgem quando o sol nasce e não se põe. Jogar a toalha quando se está exausto não é muito sábio fora dos ringues. Na vida, às vezes, precisamos nos arrastar até a próxima ladeira, para depois de rolar decidir se trombamos com algo que nos surpreendeu.

Decidi morrer com 86 anos (pode até ser mais), sou curioso, quero ver como escaparemos ao colapso ecológico global, talvez um apocalipse zumbi, não sei. Mas quero ver como a engenhosidade humana vai sobreviver à sua própria pressa. Resolvi colocar uma filha no mundo, quero ver ela no meio desse circo pegando fogo. Para viver bem é preciso gostar de ver o circo pegando fogo, ter real interesse na desenvoltura humana, mesmo quando ela falha miseravelmente.

Outra coisa que me ajudou a não querer morrer foi perceber que minha vida não me pertence, seria pouco torcer por mim apenas, seria monótono. Estou na torcida, na arquibancada torcendo e apoiando a maratona dos outros. Talvez isso ajuda a viver nossa quase morte diária sem desespero e com candura…
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*Frederico Mattos, psicólogo clínico e escritor
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* Frederico Mattos: Sonhador nato, psicólogo provocador, autor dos livros Relacionamento para leigos (série For Dummies)[clique], Como se libertar do ex [clique aqui para comprar] e Mães que amam demais. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas cultiva um bonsai, lava pratos e se aconchega nos braços do seu amor, Juliana.

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Frederico A. S. O. Mattos CRP 06/77094