Por que casais entram em crise com o nascimento dos filhos?
* Por Frederico Mattos
Por que casais entram em crise com o nascimento dos filhos? No começo do relacionamento eles se conhecem, sentem tesão, vivem momentos incríveis juntos e sentem no fundo do coração que se conhecem há muito tempo, chegam a afirmar “como vivi esse tempo todo sem você”. Baseado nesse furor eles se unem para valer, fazem a escolha de seguir juntos, casados ou morando juntos, até que bate à porta uma linda criança.
Estranhamente, aquele evento envolvido em preciosidade cria um abismo silencioso e não admitido no casal que durante alguns dias, semanas, meses e anos aumenta sem que percebam que algo precisa ser feito. Algumas agressões aumentam em intensidade, a necessidade de corrigir o outro, dar lições de moral ou fazer crítica surgem com mais frequência. A crise se instala e ninguém consegue explicar ou correlacionar com o nascimento da criança.
O que o nascimento de um filho cria de problemas para os pais?
A resposta é nenhum, o filho não cria problemas, apenas revela alguns que já estavam latentes na relação. E por que isso acontece?
Um relacionamento é feito de escolhas constantes, quer o casal perceba ou não, das mais simples como “o que vamos sair para comer?” até as mais complexas, “como lidaremos com nossas contas pessoais e de casal agora que estamos juntos?” e até outras mais subjetivas como “que rumo daremos para nossa vida?”.
Um casal que nunca se questionou ou fingiu que isso não é importante costuma pautar sua união no sentimento do momento, pensando que ele independente de contextos, ações práticas e alinhamento de valores constantes. O resultado vem à medida que a realidade do relacionamento sai do campo do romance de “a gente se encontra/eu te pego e vamos em tal lugar curtir a noite” para “vamos alugar/comprar um lugar perto/longe dos seus/meus pais?”.
Quando um relacionamento avança no tempo (e por isso muitos nunca avançam para maior intimidade) as decisões dependem menos de tesão e promessas bonitas e mais de sabedoria, valores claros, capacidade de negociar escolhas e generosidade para que um facilite o projeto do outro sem grande desequilíbrio.
O nascimento de um filho é daqueles momentos que muitas coisas sutis estão postas em jogo e grande parte dos casais (talvez a maioria) ignora. As motivações para ter uma criança passa por critérios totalmente emocionais e ingênuos do tipo “sempre quis”, “para ter um companheirinho para a vida inteira”, “porque vai me trazer uma felicidade que não sou capaz de viver sozinho”.
O casais esquecem de um detalhe importante, o filho, sendo de responsabilidade dos dois pais colocará ambos numa sinuca de bico que nunca imaginaram. Agora ambos tem a chance de fazer direito, provar suas teses de como criar uma pessoa de bem e um cidadão com boas chances de ter sucesso e ser feliz. Se fracassaram em muitas áreas da vida pessoal o filho é o grande ponto de alavancagem para uma vida, até então sem um sentido claro.
Qual o problema de colocar tantas expectativas nos filhos?
Nessa hora o casal fica um pouco cego para o que o parceiro(a) projeta como desejo de vida ideal para o filho e ambos começam uma queda de braço silenciosa (ou escancarada).
“De quem é a cara da criança?”
“O jeito é parecido com que família?”
“Devo deixar chorar ou socorro logo?”
“Ele precisa ficar perto da mãe quanto tempo ou o pai?”
“Meus pais vão interferir até que ponto na educação do neto?”
“Que tipo de escola ele vai ser deixado?”
“Terá uma religião?”
“Ele será incentivado a ser questionador ou bonzinho?”
“Será mais intelectual/social/corporalizado?”
“Será mais falador ou reservado?”
“Será mais de ideias ou prática?”
“Vai aprender a bater ou conversar?”
“Vai ser reprimido ou livre sexualmente?”
“Vai conseguir as coisas com esforço ou porque é meu filho?”
“Vai ter mesada (e gerenciar seus recursos) ou receberá na medida que precisar/quiser (e talvez se perder em seus desejos)?”
“Como lidará com uma nota baixa?”
“Como vai lidar com crianças mais pobres/ricas ou diferentes dos gostos dela?”
“O que vai fazer no tempo livre?”
“Como vai equilibrar dever e prazer, responsabilidades e alegrias?”
“Será mais ordeiro ou saberá a lidar com o caos?”
“Mais racional ou passional”
“Regras claras ou seguindo o humor dos pais”
Em essência todos os pais acharão que tem tudo muito claro e respostas quase genéricas como “quero um filho que equilibre tudo isso!”. Mas na prática a ambiguidade dá espaço para confusão, pois ao negar que existirão algumas preferências de cada parte tentarão fazer um movimento silencioso de defender suas verdades sem confrontar o outro com as dele (quando não se pegam a tapa por cada detalhe).
Mas isso se torna praticamente impossível. Como fazer de conta que nada deverá ser decidido?
Nessa hora os casais batem cabeça e chegam numa conclusão terrível: são absurdamente diferentes e desalinhados em quase tudo. A história de “os opostos se atraem” foi por ladeira abaixo pois se não usarem as diferentes para criar uma diversidade conciliadora o casamento vai acabar em guerra.
Quem paga por essa conta de ingenuidade romântica? O casal, mas principalmente o filho.
Se resolvem se separar como meio de evitar esse tipo de conflito a barra é aliviada para o casal, mas os filhos seguem nesse fogo cruzado de divergências. Durante a semana a criança é tratada com disciplina/displicência e no fim-de-semana de guarda do do parceiro é tratado com o oposto.
Quem os pais culpam por isso? Ao divórcio, dizem que crianças filhas de divórcio são problemáticas. NÃO. Crianças filhas de pais desalinhados são problemáticas, sejam eles casados ou separados.
Enquanto os casais não conseguem encontrar um ponto de convergência para se entregar com honestidade e confiança no projeto comum seguirão criando uma criança Frankenstein, emocionalmente cheia de peças desconjuntadas e moralmente confusa.
Filhos revelam as inconsistências dos pais consigo mesmos e isso os frustra, pois eles falham na sua auto-promessa de fazer diferente. Repetem os mesmos erros condenados em seus pais, pois ali é necessário mais que uma promessa, e sim uma consistência emocional que jamais foi colocada tão a prova antes de um filho.
O sucesso é nosso (mais meu), e o fracasso é seu. O filho prestigiado é meu, o mal educado é do parceiro. “Olha lá o que seu filho está fazendo” (coisa errada), “olha que nota boa meu filho tirou” (agora ele é meu).
Raramente um banca o que o outro decidiu em termos de nós, por isso viram rivais tentando detectar no comportamento do filho onde o parceiro falhou, “isso é coisa de gente da sua família” (ataques ao clã do parceiro).
Na prática se não colocarem no papel (literalmente) no que acreditam sobre a vida, a educação, os valores e o destino dos filhos o abismo só aumentará para um desfecho desastroso. Negar não adianta, fugir muito menos, encarar é a única saída para esse enigma prático da criação dos filhos de forma saudável.
Com os casais que conseguem conversar com alegria, honestidade, generosidade e abertura o cenário é diferente. Quando os dois mundos dos pais criam um terceiro ainda mais rico de possibilidades, o melhor do casal se manifesta, mesmo em meio a tantas mudanças importantes.
Portanto, pensar no enxoval é importante, mas roupinhas lindas sem ser acompanhada de consistência não deixa a criação dos filhos mais colorida.
PS: O texto não se aprofunda em variáveis e questões particulares dessa mudança de fase como mudança de orçamento, prioridade, libido, baixa de energia geral, diminuição de tempo livre e etc.
________
________
* Frederico Mattos: Sonhador nato, psicólogo provocador, autor dos livros Relacionamento para leigos (série For Dummies)[clique], Como se libertar do ex [clique aqui para comprar] e Mães que amam demais. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas cultiva um bonsai, lava pratos e se aconchega nos braços do seu amor, Juliana. Oferece treinamentos online de “Como salvar seu relacionamento” e “Como decifrar pessoas” No Youtube seu canal é o SOBRE A VIDA [clique aqui] No twitter é @fredmattos e no instagram http://instagram.com/fredmattos – Frederico A. S. O. Mattos CRP 06/77094