Por que as pessoas procuram terapia?
* Por Frederico Mattos
Muitas pessoas que atendo já foram questionadas por maridos, esposas, pais e amigos sobre o motivo pelo qual fazem terapia, se na opinião delas a pessoa tem uma vida boa. A maioria responde algo para agradar quem perguntou ou até inventa algum conflito que impressione o outro. Daí a pessoa diz “este sim é um problema”.
Nossa concepção sobre o que é um problema merecedor de terapia é bem estranha, afinal só aceitamos que uma questão é complicada se envolve algo palpável como morte, separação, perda financeira, e olhe lá. Para muitos, o que não for caso de UTI não é importante e ignoram que existem outras esferas de questionamentos mais profundas do que matar um leão por dia. Os leões estão por todos os lados, na maioria estão mais dentro de nós do que se pensa.
Os sintomas que perturbam uma pessoa podem ser de duas ordens:
-Egodistônico: aquele sintoma que perturba o seu portador como uma apatia emocional depressiva, uma ansiedade fóbica, uma agitação do pânico. Normalmente esse tipo de sintoma cria problema funcionais que o induvíduo não consegue ou quer tolerar, pois tira a qualidade de vida e o prazer de coisas usuais. Nestes casos, costuma ser a própria pessoa que procura terapia, pois são sensações incapacitantes. Costumam estar nas esferas dos transtornos de humor (depressão, bipolaridade) e de ansiedade (fobia, TOC, pânico, ansiedade generalizada), às vezes podem ser transtornos de personalidade como a dependente, a esquizóide ou esquizotípica.
-Egossintônico: O sintoma geralmente causa ganhos secundários para a pessoa que já está identificada com ele, afinal tem até orgulho de ter uma personalidade forte (e não admite que tem um quadro de transtorno de personalidade obsessiva ou borderline); ou que seu ciúme é sinal de amor – e tem um quadro patológico de personalidade paranoide; ou ainda se sentir a pessoa mais desejável do mundo – e ter um transtorno de personalidade histriônica. Nestes casos, quem costuma sofrer são as pessoas que estão por perto pois tomam as porradas de quem sofre do problema. Sua “busca” por terapia é forçada, por ameaça de pais, cônjuges que já não suportam lidar com o jeito perturbador do outro, apesar de ele se achar “ótimo”. A maior incidência são os transtornos de personalidade antissocial, psicopata, narcisista, ou psicóticos (induzido por substância e esquizofrenia).
Já no que se refere ao tipo de conflito existem camadas de profundidade. Vou falar das mais externas até as mais profundas.
-Eu versus instituições: são conflitos de interesse com a empresa, com a igreja (ou templo religioso) que frequenta; com o governo, com a justiça, com a sociedade. Pode ser com entidades mais abstratas que estão pouco em sua esfera de controle. São os dilemas favoritos da maior parte das pessoas pois são pouco solucionáveis do ponto de vista individual, já que são de escala mais coletiva. Ocupam um tempo considerável da vida do sujeito e ele nunca para para pensar onde se conecta com o el: o problema é com o grande outro. São muito retratados em filmes de ação, suspense ou terror, veja a série Duro de matar e entenderá.
-Eu versus limites da vida: são assuntos relacionados à morte física ou simbólica como separação, doença, perda financeira. Estes são socialmente reforçados como “os verdadeiros problemas”, pois são nobres e involuntários à pessoa. São os mais retratados em filmes de inspiração ou comédia, pois costumam envolver desafios sobre os quais a pessoa não tem muito controle e que a fazem sentir-se um pouco vítima da vida e ter que lutar por superação.
–Eu versus alguém: são os conflitos nos quais a pessoa se debate com quem está à sua volta. É sempre o fulano ou o ciclano que causam os problemas em sua vida, como se fosse um certo complô contra o sujeito. Os pais perseguem, os amigos não entendem, o parceiro amoroso é ausente enquanto a pessoa se julga incompreendida, não amada ou atendida em alguma necessidade que só depende do outro. O nível do dilema ainda é externo e ela não nota sua co-participação na questão. A solução sempre parece ser afastar o outro para o problema ser resolvido. Estes casos são os que a pessoa se separa, sai da casa dos pais, muda de empresa, troca de amigo e depois de um tempo percebe que o ciclo reiniciou. Mas acha que é azarada e nunca que criou o padrão do relacionamento. Quem se detém nestes conflitos normalmente não entende que costuma só mudar o cenário, mas mantém o jogo disfuncional ativo.
-Eu versus eu: estes são verdadeiros conflitos, e é quando a terapia realmente acontece pois ela já sabe se colocar como responsável por sustentar um problema ainda que envolva os pais; problemas de vida e morte; pessoas difíceis. Ela é a única que está sustentando o problema ou não. E já entende que é a maneira como se relaciona com todos estes problemas externos que os enfraquecem ou potencializam. Os filmes dramáticos de boa qualidade costumam retratar o personagem se debatendo com dilemas morais e escolhas difíceis sem escapismos psicológicos que tirem a questão do próprio autor da ação.
–Eu versus além de mim: mais raros, quase intocados em terapia, pois acometem pessoas que já estão além da ótica pessoal, pois estão em posições na vida que repercutem em esferas mais amplas. São dilemas de grandes figuras espirituais, sociais, políticas que não se escondem de entender sua parte na história, mas também entendem que o que fizerem impactará numa consequência além de si próprio. Imagine o conflito de Jesus no momento em que estava no Monte das Oliveiras diante de um destino difícil e se coloca na questão mais ampla; ou Nelson Mandela resistindo a seguir preso ou cedendo aos seus oponentes.
Há pessoas que estão fechadas para si mesmas a tal ponto de nem conseguir captar quanto estão doentes emocionalmente, pois apenas repercutem padrão, aumentam preconceitos e se tornam engrenagens de um mundo desconectado de si mesmo. São essas que costumam achar incompreensível outra pessoa procurar ajuda sendo que elas não tem problema nenhum. Claro, o gatilho do revólver não tem consciência que é parte do instrumento que tira a vida de outra pessoa. Muitas desses sujeitos só tomam um mínimo de consciência quando a vida dá voltas inevitáveis e ela precisa lidar com questões dos limites da existência onde nem a arrogância ou a ignorância conseguem mais fazer de conta que não há nada a ser melhorado.
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* Frederico Mattos: Sonhador nato, psicólogo provocador, autor dos livros “Relacionamento para leigos (série For Dummies)[clique]“, “Como se libertar do ex” [clique aqui para comprar] e “Mães que amam demais”. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas cultiva um bonsai, lava pratos, oferece treinamentos de maturidade emocional no Treino Sobre a Vida e se aconchega nos braços do seu amor, Juliana. No twitter é @fredmattos e no instagram http://instagram.com/fredmattos – Frederico A. S. O. Mattos CRP 06/77094
Revisão: Bruna Schlatter Zapparoli
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