Sou noveleiro, e daí?
* Por Eduardo Benesi
Já sinto saudade de “O Rebu”, fazia tempo que não via uma novela tão cuidadosa. Desde “Avenida Brasil” uma teledramaturgia não nos tratava tão bem. E você agora deve estar se perguntando coisas sobre mim do tipo: – nossa, mas eu o achava tão intelectual, que estranho ele ver novela. Obviamente estou aqui revelando mais um guilty pleasure. Quero quebrar junto com você leitor, todas as amarras culturais que te obrigam a fingir que não gosta de algo. Eu quero que você aprenda a cultivar o seu espaço de interesses sem que ninguém te diga o que você é obrigado ou não a gostar, você é livre, mas às vezes faz questão de se acorrentar aos padrões do outro. Vamos parar com isso?
A telenovela pode ser um produto delicioso de se acompanhar, todo mundo gosta de uma história bem contada. Esse é um dos principais motivos para que diversos ramos diferentes obtenham êxito: livros, filmes, seriados, etc. Existe uma indústria se especializando cada vez mais em contar de uma forma simples e acessível histórias comoventes, que nos influenciam e mexem no nosso imaginário. E o primeiro motivo para muitos não acompanharem uma novela é justamente esse: o fácil acesso. Existe um ciúme exclusivista por parte de uma elite que precisa negar produtos mais populares para afirmarem uma superioridade intelectual. Pura bobagem. Eles provavelmente ainda não assistiram a uma novela de João Emanuel Carneiro – o criador das Carminha e em minha opinião o maior novelista da atualidade.
Muitos falam que a Rede Globo é um veículo de manipulação em massa, mas poucos falam como essa manipulação funciona. Ela não acontece apenas pelo Jornal Nacional. Ela acontece principalmente pelo seu produto mais abrangente: a novela. A temática, os núcleos, a polaridade entre ricos e pobres, os estereótipos, os conflitos, os modismos, os comportamentos, o machismo. Talvez você não assita novelas porque não gosta, ou mesmo por boicote, mas tenha a certeza que você já obedeceu a algum padrão de quem a assiste. Algum padrão ditado justamente por ela, a novela.
Muitos discursos que nós ouvimos no cotidiano como: “o PT rouba”, “ os políticos são corruptos”, “ a Globo manipula”, “ler a Veja aliena” podem fazer grande sentido, mas eles geralmente possuem apenas uma comissão de frente carregada de agressividade, sem muito aprofundamento, sem evolução ou harmonia, apenas com um vistoso carro abre-alas. Essas frases não possuem corpo de desfile e são pouco discutidas, apenas reproduzidas. A propaganda nazista funcionava assim, os alemães eram bombardeados tantas vezes com a mesma mentira, que depois de mil repetições, elas tornavam-se verdades por insistência. Nas expressões acima, obviamente, eu não trato de mentiras, mas de verdades mal checadas. Se você perguntar quais políticos roubam ou como funcionava o mensalão, pouquíssimas pessoas saberão responder. Essa reprodução leviana acaba configurando uma cultura de boatos, de bordões ocos de sentido. Somos donos de informações tão privilegiadas quantas não apuradas. É cada vez mais comum em discursos de convencimento, os oradores se utilizarem de estatísticas numéricas falsas, já que ninguém geralmente checa a veracidade de números, por preguiça. Sem contar frases de escritores que pipocam em redes sociais e que são atribuídas ao autor errado. A escritora Martha Medeiros viu a sua linda crônica “morre lentamente” ser atribuída ao genial Pablo Neruda. E você já parou pra pensar que pode ter compartilhado frases da Clarice Lispector que na verdade não eram dela?
Ouvi uma frase – da qual não me lembro do autor – esses dias que não me sai da cabeça: “as coisas que acontecem com as pessoas, são muito parecidas com elas”. O EX-BBB (coloquei propositalmente), deputado e ativista das causas GLBT, Jean Willys em seu livro “Tempo bom, tempo ruim” escreve um trecho muito feliz sobre a importância de entendermos a novela como um mecanismo de manipulação, mas também como um antídoto de seu próprio veneno: “Mas, a despeito desse desprezo em relação à telenovela, é crescente o número de estudiosos e ativistas políticos interessados em seu papel na (re)construção da mentalidade do povo brasileiro e em seus impactos nas relações socioculturais; entre esses ativistas e estudiosos, eu e outros integrantes dos movimentos LGBTs nos incluímos. Nós entendemos que a telenovela faz parte das práticas de significação e dos sistemas simbólicos por meio dos quais os sentidos são produzidos e os sujeitos são posicionados, ou melhor, entendemos que a telenovela é representação e, como toda representação, ela não apenas reproduza realidade, mas também a produz, isto é,desencadeia (re)ações entre os telespectadores. Por isso, não a descartamos”.
Eu aqui defendo que você olhe para a novela não só como um instrumento de construção de identidade coletiva e de comportamento, mas também de lazer – se você assim quiser. É fácil dizer que a massa é burra, difícil é investigar como a tal massa “emburrece”. A novela conta muito sobre nós, sobre como estamos pensando, ou o que a maioria está pensando. A teledramaturgia sofre transformações ocasionadas pela nossa pressão. Para mudar a opinião de alguém, você tem que ser muito mais habilidoso do que quem apenas grita te proibindo de algo. Se por exemplo alguém te oprime, você tem que olhar no olho de quem desse opressor e saber por que e como esse ele te oprime, caso contrário você é apenas um vírus replicante, um discurso de ódio em plena progressão geométrica. A Rede Globo não obriga, nem grita para que você concorde com ela, ela sugere verdades de um jeito lúdico e ficcional e sem querer você copia esse padrão assimilado. Para lidar com uma manipulação você não deve necessariamente mostrar os dentes, você deve se informar e debater ao invés de gritar, você deve se incluir na transformação. Saber discutir o que acontece na novela com o seu vizinho é um jeito pequeno, mas muito representativo de mudar o mundo.
Veja, assista, participe, escolha o que você quiser, mas com olhar crítico, sempre. Eu concordo que a Rede Globo manipula, mas eu gostaria muito que as pessoas soubessem o porque. Que elas não comprassem verdades fáceis e preguiçosas. Você não deixa de ser alienado porque parou de assistir Globo, você deixa de ser alienado quando independente de assistir Globo ou não, procura entender porque (não) a assiste e ao invés de tentar oprimir o espaço e a escolha do outro que opta por assisti-la, passa a questionar a própria alienadora e seus padrões a fim de mudá-los. Agora, mudando de assunto, o que aconteceu em “Império” ontem, alguém me conta?
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* EDUARDO BENESI é Pedagogo, consultor cultural, formou-se também no teatro para atuar escrevendo. É um hispster inconfidente que carrega bandejas com cebolas gigantes para viajar o mundo, e o seu rodizio é de terça-feira. Pede tudo sabor queijo, da abraço demorado e tem um site em que coleciona pessoas e instantes: o www.favoritei.com.br