O que fazer quando alguém está surtando?

* Por Frederico Mattos, psicólogo individual e de casal

Surtos não acontecem apenas em episódios psicóticos com transtornos mentais delicados como a esquizofrenia, personalidade borderline, fase de mania bipolar ou induzido por substâncias. O surto comum é toda fixação exagerada num conteúdo emocional que impede a pessoa de olhar para o que está ocorrendo globalmente e a aprisiona nesta sensação interna. É um fechamento num estado crítico e perturbador que faz alguém acreditar que algo é mais perigoso ou grave do que de fato é.

Muitos me perguntam como ajudar uma pessoa nessa situação, seja num surto real (transtorno mental ou induzido por álcool e droga); num abalo pós-traumático (assalto, morte de ente querido, perda de emprego); ou simplesmente quando alguém fica paralisada numa emoção de raiva ou medo. Determinadas posturas podem ajudar a desarmar a bomba-relógio, seja numa conversa de casal, ambiente profissional, familiar ou espaço público.

Cisne Negro, filme que retrata o surto de uma bailarina

Cisne Negro, filme que retrata o surto de uma bailarina perfeccionista

Fisicamente

 

 

 

  • Afaste-a de lugares com pessoas

Alguém em surto pode se comportar como uma bolinha de pebolim ricocheteando por onde passa, portanto, quanto menos estímulo ou intervenção de várias pessoas melhor; diminui o risco de ter que administrar outras pessoas surtando junto. Desequilíbrio evoca desequilíbrio.

  • Crie uma sinergia corporal e vá diminuindo sua postura

Seja um espelho positivo: induza a pessoa a fisicamente entrar num movimento mais sereno, quase como se estivesse colocando-a para dormir. A ideia é induzi-la a um estado mais próximo do sono, como se fosse tirar da tomada o aparelho que está dando tilt. Fique calmo de modo que isso diminua o ritmo do outro, você é o porta-voz da tranquilidade da pessoa, então desacelere; seja ágil, mas não agitado.

  • Olhe nos olhos

Procure fazer contato visual. Olhos são a parte mais íntima de conexão corporal e isso nos traz para o presente. Somente se a pessoa estiver paranoica e achando que todos estão contra ela, nessa hora é melhor olhar indiretamente, pois o olhar direto pode ser muito confrontador.

  • Ajude a sentar

Diminuir a energia do surtado aos poucos é um caminho, mas não a force a sentar: sente-se primeiro e aja como espelho.

  • Traga água

Se a pessoa estiver agitada só emocionalmente traga água, esse é um elemento que refresca e torna a experiência mais aconchegante, além de ser algo que circula no corpo dela.

  • Respire com ela

Foque nas respirações da pessoa e sua. Crie uma sinergia de inspiração e expiração e vá lentamente diminuindo o seu ritmo. Eventualmente puxe o ar mais profundamente para ela notar a respiração dela ao ver você fazendo o mesmo. Em momentos de crise costumamos parar de respirar adequadamente.

  • Acaricie sua mão

O toque relembra nosso corpo e surtos costumam ser uma fixação mental num conteúdo perturbador. Mas, se isso a no começo for ruim, tire a mão e vá lentamente tocando novamente. É um jeito de dar concretude para o momento.

  • Impeça que fique perto de algo perigoso

Em pleno descontrole, é importante tirá-lo de qualquer lugar ou artefatos perigosos (objetos cortantes, janela, varanda, escadas). Quanto menos risco, menor a chance de a pessoa se machucar voluntariamente.

  • Localize-a geograficamente

Às vezes perdemos o senso de realidade quando estamos agitados. É importante lembrar a pessoa de onde ela está para trazer uma sensação amistosa de familiaridade.

  • Contenha fisicamente

Dependendo do tipo de agitação, uma alternativa pode ser conter a pessoa, mas nunca frontalmente de tal forma que ela machuque você. O ideal é fazer isso lateralmente, pois por trás pode gerar mais desconfiança. Um abraço de lado, deixando os braço chacoalharem por cima dos seus funciona. Seja firme sem estrangular, apenas para dar a sensação de abraço e aconchego caso ela queira desabar e chorar no chão. Quando a raiva der lugar à tristeza então o abraço tradicional ajuda.

Verbalmente

  • Fale baixo

Procure falar baixo para que a pessoa precise se esforçar a ouvir você. Não sussurre, isso é irritante. Apenas vá gradualmente diminuindo o tom de voz para mais grave e doce. Se puder sorrir levemente, isso ajuda.

  • Chame pelo nome

Repetir o nome de alguém em surto traz a sensação de personalização, lembra quem ela é, afinal, nosso nome é o código mais primitivo que reconhecemos, até quando ele não foi dito.

  • Evite dizer “fique calmo”

Na maior parte das vezes você diz isso para si, que também ficou desesperado. Para quem está agitado, soa como se a pessoa fosse incapaz de lidar consigo mesma. Ainda que seja verdade naquele momento, não ajuda a acalmar. Portanto, você precisa respirar e ficar calmo.

  • Traga para o presente com frases curtas

A comunicação precisa ser mais básica e primitiva, como se fosse infantil. Frases curtas e diretas ajudam o cérebro a decodificar melhor, já que está operando em baixa rotação.

  • Faça perguntas simples do tipo sim ou não

Se quer saber algo, não faça perguntas reflexivas ou complexas, apenas questões diretas que possam ser respondidas só com a cabeça. E não bombardeie; dê um tempo entre elas.

  • Conecte com objetos concretos

Se for um algo perigoso evite, mas se remeter à afetuosidade, até mesmo um animal de estimação, traga como um “talismã” no qual ela se agarre. Isso ajuda a transferir a sensação emocional ruim para o objeto.

Cognitivamente

 

 

  • Não queira explicar a lógica dos fatos

Evite filosofar. Durante o surto, provavelmente o sujeito não está concatenando ideias profundas; sua mente está presa a uma lógica de luta-fuga, simplista e pouco clara. Relações complexas de causa e efeito não ajudam.

  • Traduza a pessoa para ela mesma

Esta é uma das mais difíceis de fazer. São afirmações que verbalizam o que está acontecendo e confortam pela simplicidade e acolhimento do gesto. Não são deduções profundas, mas capturas de estados emocionais bem visíveis. Por exemplo: “Está tudo agitado, né” (mais uma afirmação do que uma pergunta), “está difícil até de falar”, “parece que não vai passar, né”, “muito medo, né”.

  • Não crie contrariedades, finja que concorda e lentamente a afaste do ponto original

Se for um surto falatório, não contrarie frontalmente, mas conduza indiretamente numa outra direção. Fale pouco, balance a cabeça, mova os seus olhos, sorria com eles, diminua o potencial das palavras dando menos contrapontos.

  • Fale de si mesmo

Em situações que a pessoa vê você como uma ameaça ou não é alguém que você conheça (seja um criminoso fora de si ou um estranho que invadiu sua casa ou ambiente de trabalho), crie uma imagem mental de quem você é. Uma imagem impessoal é mais fácil de agredir ou ameaçar, já uma pessoa com nome, família, história para se identificar é mais difícil. Não dê informações secretas, mas sim aquelas vitais para a pessoa saber que você ama e é amado, assim como ela.

  • Não critique

Não confronte a pessoa fora de si dando lições de moral – tática preferida dos moralistas. Nessas horas ninguém não precisa de mais pressão, culpa ou sentimento de inferioridade. Seja amistoso e apoie os pontos dela.

  • Evite consolos simplistas que instiguem raiva

Frases como “ele não te merece” ou “você não merece que façam isso com você” não ajudam em nada, só aumentam a sensação de que a pessoa é uma vítima que deve revidar. Numa situação de luto também não ajuda dizer que sabe o que o outro está passando ou que vai dar tudo certo, pois soa bobo e faz a pessoa a se irritar com você. Ofereça silêncio, seu corpo, seu ouvido, sua respiração em situações-limite.

  • Ofereça apoio emocional e aconchego

Tudo o que simbolize “estou aqui do seu lado”, “vamos enfrentar isso juntos”, “estou por perto se precisar”, uma xícara de chá, um doce, um mimo qualquer ajuda.

  • Esteja presente, sem distrações

Coloque seu celular de lado, por favor, antes, durante e depois do surto. Não há nada mais agressivo do que ignorar alguém se desapontando porque ela está surtada. O surto virá para o seu lado.

  • Evite tratá-lo como criança

O surtado está fora de si, mas você não precisa falar como se fosse um bebê, ainda que a pessoa esteja agindo como um. Fale como um adulto evocando o lado adulto da pessoa.

  • Não queira consertar a pessoa e assuma o seu limite

A pior postura é querer mudar o indivíduo naquele momento com um milagre psicológico de conversão pessoal. Aceite que aquela é uma situação crítica e seu único objetivo é trazer de volta, não convencê-lo de nada.

Se achar que a situação é mais grave, recorra a outra pessoa para ajudar ou a algum órgão oficial. Não se ache onipotente: entenda os seus limites e chame alguém (mais experiente ou especialista médico, psicológico, policial) que possa fazer melhor. Você pode ter saído do controle também.

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Captura de Tela 2014-08-26 às 10.05.17* Frederico Mattos: Sonhador nato, psicólogo provocador, autor dos livros “Relacionamento para leigos (série For Dummies)[clique]“,  “Como se libertar do ex” [clique aqui para comprar] e “Mães que amam demais”. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas cultiva um bonsai, lava pratos, oferece treinamentos de maturidade emocional no Treino Sobre a Vida e se aconchega nos braços do seu amor, Juliana. No twitter é @fredmattos e no instagram http://instagram.com/fredmattos – Frederico A. S. O. Mattos CRP 06/77094

 

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Revisão: Bruna Schlatter Zapparoli

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About the author

Sonhador nato, psicólogo provocador, apaixonado convicto, escritor de "Como se libertar do ex" e empresário. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas medita, faz dança de salão e lava pratos.

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