Por que pessoas muito problemáticas se tornam religiosas fanáticas?
* Por Frederico Mattos
Antes de explicar esse fenômeno relativamente comum, é preciso esclarecer que nem toda pessoa religiosa é fanática ou teve um passado cheio de problemas. E que chatice não é exclusividade do fanatismo; existem chatos em qualquer lugar.
Fanática é uma pessoa que se torna desmedida, inconveniente, autoritária e intransigente quanto à sua posição pessoal, seja no campo da religião, política ou time de futebol. Ou seja, está tão fixada no seu objeto de adoração que não consegue perceber como as pessoas se sentem coagidas em relação a isso.
A própria fanática não se considera assim, pois para ela aquilo está tão incorporado como um estilo de vida que qualquer um que alerte sobre exageros será visto como oponente, invejoso ou estraga-prazeres.
Note em sua vida cotidiana: as pessoas que são equilibradas agem de maneira discreta com suas convicções pessoais e são muito serenas se chamadas a falar de algum assunto de fé. O fanático, sem ser chamado, se vê impelido a convencer as pessoas, como se existisse uma urgência e só ele (e sua religião) tivesse o dom de libertar os outros com sua verdade inquestionável. É como alguém que começa a fazer dietas radicais e fala sobre aquilo de tal maneira que todos se sentem constrangidos na hora de comer uma bisteca ao lado dele. Em nome da fé ele causa problemas com o próximo.
Mas porque pessoas que tiveram períodos difíceis na vida, seja na criminalidade ou nos exageros de toda forma, são particularmente predispostas a mergulhar de cabeça numa vida aparentemente oposta e seguindo princípios praticamente contrários a tudo o que fizeram até então?
É importante ressaltar que o ponto de virada da maior parte dessas conversões são decorrentes de situações-limite na vida, como desemprego, perda financeira, doença, morte de alguém ou qualquer tipo de ameaça às certezas até então recompensadoras.
Viver perigosamente, extravasando os prazeres e com falta de limite cria um ciclo de compulsão pela descarga de serotonina e dopamina no cérebro. Mentalmente ocorre o equivalente, pois ser imediatista e dominador costuma trazer “respeito” dos outros. No entanto, essa fórmula tem um ponto culminante que sucumbe inevitavelmente ao peso da velhice, do anonimato e da auto-combustão. Não é possível estar na crista da onda com o mesmo pique de sempre. Nesse percurso a pessoa viverá altos e baixos. Na fase de baixa, aquela arrogância dominante inevitavelmente receberá golpes fortíssimos.
Diante dessa falência total, a religião cumpre uma função belíssima de resgatar a pessoa de seu egocentrismo e mostrar um caminho que considere o bem-estar de outras pessoas, assim como uma vida com mais frugalidade, sabedoria e fé.
Como alguém que vivia a 300 km/h pode parar tão abruptamente e tomar a rota oposta?
Com uma dose tão intensa de auto-convencimento quanto quando vivia desequilibradamente. Ocorre o mesmo quando alguém fica cegamente apaixonado e o único motivo de adoração passa a ser a pessoa amada. Para a pessoa que se converte, os textos que considera sagrados se transformam no seu guia prático para situações de desespero e tentação. É como se fosse uma blindagem psicológica gigantesca para conter os impulsos caóticos e compulsivos de antigamente.
É relativamente natural ver alguém que fez uma descoberta positiva querer levar todos que ama consigo, mas o limite disso é quando suas intervenções não são solicitadas. Existem pessoas que se identificam com a ideia de seguir um credo e outras não, é um direito. Para quem está obcecado em sua própria disciplina austera, porém, não há essa opção.
Permitir-se uma única brecha emocional ou qualquer grau de ambiguidade pode colocar todo o esforço a perder para alguém tão familiarizada com sua impulsividade . A filosofia de alcoólicos anônimos segue esse preceito: um gole pode ser o começo do fim.
Na dedicação intensa do processo de conversão a pessoa precisa depositar toda sua energia na modificação interna. Ela costuma contar com a ajuda da nova comunidade religiosa na qual está se inserindo. Eles são os apoiadores dessa nova empreitada e por esse motivo é muito comum ver um afastamento dos amigos de antigamente. Esse distanciamento costuma causar ressentimento por parte de quem é deixado de lado. Afinal é difícil de aceitar e concordar que um amigo se afaste por questões religiosas.
Mas por que é importante sustentar essa redoma social?
Porque a pessoa que se converte ainda se sente muito frágil diante dos próprios impulsos destrutivos e qualquer pessoa que a lembre do passado pode criar ainda mais conflito e impasse. Pelo mesmo motivo é difícil se manter numa dieta e manter a vida social, cheia de comidas tentadoras.
As pessoas mais equilibradas conseguem transitar com facilidade por diversos meios heterogêneos sem achar que isso é uma contaminação fatal, mas para a pessoa que se sente tentada a extrapolar seus impulsos parece fundamental manter o cerco ainda mais apertado. Quanto mais forte o prisioneiro, mais robusto tem que ser o guarda, a obsessividade costuma ser antídoto para a impulsividade emocional e é sempre proporcional ao desalinho em potencial [leia mais].
Eu, particularmente, não me sinto ofendido ou magoado quando alguma pessoa querida resolve seguir princípios pessoais e para isso acredita que se afastando de tudo sentirá mais paz. Nunca subestimo as forças que a impelem a viver com devoção para algo que ela considere superior ou significativo.
Uma pessoa que vivia desequilibrada quase inevitavelmente viverá sua busca espiritual com muita rigidez. Alguns conseguem encontrar um meio-termo com o tempo, outros precisam de doses maciças de repressão interna por longos anos. Não há como julgar o que se passa no interior de cada um. Nenhuma fórmula é mais garantida que a outra e não cabe a quem está de fora condenar os outros por causa de suas estratégias de recuperação pessoal.
E você já testemunhou pessoas fanáticas ou já agiu desse modo? Deixe lá embaixo seus comentários
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* Frederico Mattos: Sonhador nato, psicólogo provocador, autor do livro “Como se libertar do ex” [clique aqui para comprar] e “Mães que amam demais”. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas cultiva um bonsai, lava pratos, oferece treinamentos de maturidade emocional no Treino Sobre a Vida e se aconchega nos braços do seu amor, Juliana. No twitter é @fredmattos e no instagram http://instagram.com/fredmattos
Revisão: Bruna Schlatter Zapparoli