Por que os homens separam amor de sexo?
* Por Frederico Mattos
Antes de responder essa pergunta nada simples, preciso partir de uma constatação que não é minha. Sua personalidade meiga tem três fontes nas quais são banhadas a sua identidade pessoal.
A primeira é bioquímica, o que você herdou geneticamente do pai e da mãe, não há como fugir, cada fisiologia é única. A segunda é sócio-cultural e histórica, o conteúdo que dá corpo e sentido ao que é percebido pela pessoa, ou seja, o que chamamos amor hoje não era visto do mesmo jeito antes de Cristo. O terceiro é o condicionamento psicológico, isto é, a maneira que cada um vai fazendo micro-escolhas e delineando seu jeito de ser.
Explicado isso, volto ao dilema de todas as mulheres que se perguntam intrigadas como um homem pode ter o coração gelado de transar sem nenhum sentimento envolvido. Primeiro engano: ele tem sentimentos envolvidos, pois pinto duro não nasce em árvore. Aquele frisson necessário, a empolgação, o envolvimento e interesses estéticos unidos ao jeito cativante da garota despertam muitas sensações.
É baseado nesses elementos iniciais que um homem se excita e pode seguir rumo ao sexo. Nesse sentido, ele tem a cabeça livre de qualquer tipo de preconceito sobre sua postura e não será mal visto caso transe no primeiro encontro, portanto, pode gozar de aparente despudor ao abordar uma garota. A chance de ele ser visto como um futuro bom marido ou homem de respeito é pequena, e isso dá passe livre para ações sem nenhum tipo de retaliação futura.
Do ponto de vista masculino e da cultura na qual vivemos, o sexo não vincula o homem à parceira sexual, ou seja, não é mal visto ou repreendido o sexo casual sem nenhuma outra intenção profunda de relacionamento. Esta prerrogativa cultural é o primeiro gatilho para que entendamos a história toda.
Homens são criados para que sejam fortes e independentes em suas reações (nem todos) e para isso desde cedo são banhados numa enxurrada de ordens expressas e subliminares que dizem: “não sinta o que você está sentindo!”. O termo técnico disto é cisão psíquica, quando você separa o afeto envolvido no objeto de interesse. Sabe quando você está de dieta e tenta se convencer de que não quer devorar três cachorros-quentes? Pois é, isso é uma forma branda de cisão. É cortar a imagem em duas, a que tem afeto envolvido você reprime e a outra permanece intacta diante do seu nariz e sem apelo emocional.
Só para deixar claro que essa não é uma habilidade condicionada exclusivamente masculina. Pense no que você sente quando anda numa grande metrópole e vê um mendigo deitado na rua. É um ser humano, no entanto, devido aos condicionamentos urbanos tornou-se parte de certas “paisagens” da cidade. Cruel, desumano? Sim, a cisão explica, pois anulamos daquela imagem a porção emocional que nos cabe. Eu poderia dar inúmeros exemplos de como podemos bloquear o afeto de quase tudo o que fazemos, afinal, com a quantidade de estímulos que temos nossa percepção ficaria absurdamente entulhada de dejetos mentais.
Quantas vezes você já não se flagrou como um zumbi olhando fixamente para o celular sem sequer ouvir as pessoas em volta? A química masculina também tem certa contribuição no fenômeno sexo X amor, pois ele é majoritariamente abastecido de testosterona, um hormônio que circula em todo o organismo do homem (e em menor quantidade na mulher) e o predispõe a atitudes mais agressivas, libidinosas e autocentradas. Estudos já comprovaram que fisioculturistas homens e mulheres que fazem uso de químicos compostos de testosterona sofrem de alterações comportamentais. Eles ficam mais “pegadores”, reativos, irritados e agem baseados em seus próprios interesses. O contrário também é verdadeiro, pois em casos de quimioterapia focada em alguns tipos de câncer de próstata que inibem a produção da testosterona (para combater o aumento do câncer) deixam o comportamento do paciente mais dócil, afetuoso e não sexualizado.
Um cultura que exime o homem de comprometimento associada ao condicionamento psicológico que dissocia o afeto dos fatos e uma química que predispõe ao autocentramento são fatores que deixam os homens mais propensos a tratar o envolvimento sexual como algo distinto da intimidade amorosa.
Se isso é uma vantagem ou desvantagem eu não sei, vejo como uma habilidade que pode ser colocada à serviço do bem estar, como faz um cirurgião ou um bombeiro, que deixam de lado o que sentem para salvar pessoas. Também pode ser própria de gente mal intencionada que manipula, mente e sacaneia.
Espero que o porquê tenha ficado claro, mesmo sem ter entrado no mérito moral do que os homens fazem com isso.
Vale ressaltar uma última coisa. O fato de ser possível essa manobra mental por homens e mulheres, o efeito colateral dela pode ser mais grave do que imaginamos, que é o de passar anos sem ver nenhum real sentido na vida, porque para ter sabor é preciso certa capacidade de se lambuzar no mar tumultuado das emoções, tenha consciência disso ou não.
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* Frederico Mattos: Sonhador nato, psicólogo provocador, autor do livro “Como se libertar do ex” [clique aqui para comprar] e “Mães que amam demais”. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas cultiva um bonsai, lava pratos, oferece treinamentos de maturidade emocional no Treino Sobre a Vida e se aconchega nos braços do seu amor, Juliana. No twitter é @fredmattos e no instagram http://instagram.com/fredmattos
Revisão: Bruna Schlatter Zapparoli