Sobre bichos de estimação e a dor da perda
* Por Juliana Baron
Tudo começou numa noite de verão, há alguns anos. Eu estava dentro do ônibus voltando do estágio (ainda cursava Direito), quando o mesmo quase atropelou um cachorro que cruzou a avenida, desavisado. Como na época eu era uma defensora ativa dos animais e vivia salvando cães por aí, pedi para o ônibus parar e desci a fim de procurar o pobre do cachorro.
Como aconteceu em várias ocasiões, assustado, o cão nem me deu atenção e saiu em disparada. Eu, mais louca do que ele, fui atrás até que o peludo se enfiou embaixo de um carro. Em resumo, esse cachorro, que depois mostrou ser uma cadela (grávida na ocasião), ao contrário de todos os outros que eu salvei, ficou lá em casa. Mesmo com a resistência do meu pai, que nunca foi muito amigo dos bichos, a Kuki conquistou a todos e reina absoluta até hoje (entre os gatos da minha mãe).
Isso aconteceu antes de eu me formar em Direito, antes de eu conhecer o meu marido, antes de eu ir morar em São Paulo, antes de eu engravidar, antes de eu sair da casa dos meus pais, antes do João nascer, antes de eu ter salvado mais alguns cachorros e de eu ter adotado um. Antes de toda uma fase de transformação e de mudanças
Escrevo esse texto com uma dor indescritível no coração, porque essa peluda que acompanhou tantos momentos na minha vida, que esteve ao meu lado nos dias mais tristes e nos mais felizes, que morreu de ciúmes quando meu filho nasceu, mas que aprendeu a amá-lo e se tornou a sua “parceira da sorte”, como ele costuma dizer, foi diagnosticada com aquela doença maldita, que anda tirando muitas pessoas queridas das nossas vidas. Sem volta, já que está tudo espalhado, mesmo depois de uma cirurgia.
Decidi escrever esse texto como uma maneira de eternizá-la para além das minhas lembranças e porque esse assunto vem me fazendo refletir sobre as perdas inevitáveis da vida. Achava que eu seria mais forte, porque apesar de ser conhecida por resgatar animais na rua e por sofrer com o abandono dos mesmos, não sou assim tão apegada e tão adepta da presença de um animal em casa. Eles exigem um cuidado e uma atenção, que hoje eu não tenho disponível para dar. Mas a Kuki significa tanta coisa e pensar que ela pode vir a sofrer e que teremos que escolher deixa-la ir ou que os meus olhos não vão mais cruzar com aquelas duas bolinhas pretas, tão, mas tão expressivas, que é quase impossível ignorá-la ou não lhe dar a atenção que ela tanto exige, dói demais. Dilacera a minha alma e me faz esquecer toda aquela minha história sobre o significado da morte e blá blá blá.
Fora que bate aquele arrependimento, comum nesses momentos, já que eu precisei deixa-la só com a minha irmã, com quem eu sempre dividi os cuidados, quando saí da casa dos meus pais. Nós até tentamos que ela morasse um pouco em cada casa, mas como ela é muito carente e se treme toda quando é deixada de lado, a veterinária aconselhou que ela morasse apenas em um lar.
Enfim, aproveito o momento para pensar sobre essa finitude, sobre a chegada da morte e sobre o encerramento de ciclos. Penso que a vida funciona dessa maneira e não adianta lutarmos contra esse fluxo. Sim, temos o direito de sofrer, de lamentar, de sentir tristeza e um vazio, mas estamos todos aqui de passagem. Mesmo aqueles que amamos e que nos deixarão saudades com a sua partida.
E assim eu vou me despedindo aos poucos desse meu pedaço que cumpriu a sua missão por aqui. Mesmo sabendo que fui a responsável por prologar e muito a sua existência, já que grávida e na rua, ela teria menos chances de sobreviver, sentirei a falta. Existirá aquele silêncio quando eu chegar na casa da minha mãe. Não haverá mais a festa e o rabo abanando.
Em contrapartida à dor, ficarão as fotos, as saudades e as lembranças dos momentos que passamos juntas. Como a madrugada em que ficamos eu e minha irmã acordadas acompanhando o seu trabalho de parto. Não piscamos os olhos até que pela manhã, despontaram aquelas cinco bolinhas sujas de placenta.
Acho que esse é o paradoxo da existência. A vida e a morte andando juntas, lado a lado, nas histórias e nas esquinas da vida.
Ora, uns nascem. Ora, outros se vão. Como a minha querida Kuki.
* Juliana Baron Pinheiro: casada, mãe, mulher, filha, irmã, amiga, formada em Direito, aspirante à escritora, blogueira e finalmente, estudante de Psicologia. Descobriu no ano passado, com psicólogos e um processo revelador de coaching, que viveu sua vida inteira num cochilo psíquico. Iniciou uma graduação para compartilhar com os outros a maravilha da autodescoberta e que acabamos buscando aquilo que já somos. Lançou seu blog “Psicologando – Vamos refletir?” (www.blogpsicologando.com), com textos que retratam comportamentos e sua caminhada no curso de Psicologia.