Contra tensão e ansiedade?
* Por José Chadan
Há muito tempo atrás, no século 14, um certo homem escreveu um tratado intitulado A Nuvem do Não-Saber. Até hoje, porém, não se sabe ao certo a identidade de seu autor. Alguns sugerem que foi um monge da Ordem dos Cartuxos (uma das ordens mais rigorosas da Igreja Católica que exige de seus adeptos o voto de solidão e de silêncio), outros que foi apenas um padre ou teólogo. Entretanto, deixadas de lado as controvérsias acerca de sua identidade, o fato é que este autor desconhecido estava buscando ensinar um jovem discípulo, que tinha em torno de vinte e quatro anos, os benefícios da vida de quietude e de oração.
Se você, amigo, tem por costume ler a Bíblia, sabe que os evangelhos narram a vida de Jesus. Jesus ensinava entre outras coisas, a orar e a não se pré-ocupar, nem ficar ansioso com as coisas terrenas. Pois tudo o que os filhos de Deus necessitarem, Ele, o Senhor, prontamente haverá de prover.
O autor d’A Nuvem do Não-Saber conhecia de perto os ensinamentos de Jesus sobre não ficar tenso ou ansioso com as (pré)ocupações deste mundo e foi por isto, que ao ensinar a vida de oração, tomou como referência o episódio descrito no evangelho de Lucas, capítulo 10, 38-42, que narra a visita de Jesus a casa de uma certa mulher chamada Marta, que possuía uma irmã, Maria. Ao receber Jesus, Marta ficou ansiosa e apressou-se a preparar-lhe o que comer, mas Maria, pacientemente sentou-se para ouvir os Seus ensinamentos.
Este episódio pretende mostrar a atitude de Marta, por um lado: ansiosa com as (pré)ocupações e afazeres mundanos. E, por outro lado, a atitude de Maria: calma e serena, sentada tranquila, a fim de ouvir o que Jesus teria a dizer-lhe.
Tomando Maria como exemplo de uma vida de oração, quietude e paz, o escritor desconhecido dá conselhos sobre como aquietar a mente agitada com os estímulos da vida cotidiana. Conselhos práticos sobre como reduzir a tensão e a ansiedade, unindo-se a Deus e recobrando a paz interior: deve-se sentar tranquilamente, escolher uma palavra curta e de conotação positiva, como por exemplo Deus, paz, amor,… ou qualquer outra que preferir. E, de olhos fechados, repetir a palavra escolhida, dirigindo-se unicamente a Deus. Ao Deus, que habita no mais profundo eu interior, lugar onde as perturbações externas não podem chegar, pois é como um lago calmo e tranquilo.
É para este lago que a mente perturbada precisa ir. Lá, ela irá recobrar o equilíbrio e a paz interior. Comungando com a divindade que habita no seu mais recôndito ser.
Deve-se afastar qualquer tipo de pensamento, por melhor que venha a parecer, assim como tudo o que estimule os cinco sentidos.
Longe dos estímulos do mundo externo, dos pensamentos e (pré)ocupações, fixando a mente numa única palavra que anela somente por Deus, obteremos alívio das pré-ocupações geradas pelas demandas externas e, reencontraremos o relaxamento e a paz interior.
Mas não consigo me “desligar” do meu trabalho e preocupações. Estou sempre atarefado e muito ansioso!
Ao principiante ou àquele que sente dificuldades em pôr em prática estes conselhos, recomenda-se que se caminhe por três etapas ou que “suba” por três degraus:
1. Comece pela leitura do texto bíblico,
2. Medite nas palavras do texto
3. Ore (como foi ensinado, com uma palavra breve e curta, voltando a mente para o eu interior e fechando as “janelas” dos cinco sentidos).
Isto por que segundo o autor, o texto bíblico, a palavra de Deus, seria como um espelho, onde a pessoa quando vê nele a própria imagem refletida, consegue enxergar o pecado que a “suja” (suas preocupações supérfluas e ansiedade).
Semelhante a alguém que, com o rosto sujo, só o consegue ver, quando se põe diante de um espelho ou caso alguém lhe aponte a sujeira que está no rosto.
Como seria possível conciliar a vida do dia-dia, de muito trabalho, com o relaxamento proporcionado pela vida de oração?
O autor anônimo aconselha ainda, que se abandone a vida cotidiana, de trabalho e agitação, – a que ele dá o nome de vida ativa – para que se consiga abraçar plenamente a vida de oração – que ele chama de vida contemplativa.
Mas como ter este tipo de vida em pleno século 21? Como obter esta quietude e paz interior a que o autor desconhecido se refere, tendo que trabalhar de sol a sol?!
A isto, eu responderia (eu, não o autor desconhecido). Não é preciso largar o emprego, nem ir viver em um mosteiro para praticar os conselhos aqui descritos. Basta reservar meia hora por dia, sentar-se num lugar tranquilo, sem estímulos externos e buscar aquietar a mente, deixando que os pensamentos que jogam você de um lado para o outro, parem lentamente.
Respire lenta, relaxada e profundamente. Harmonizando o pronunciar da palavra escolhida com a inspiração e expiração do ar nos pulmões.
Acrescento ainda (o que o autor também não faz), a que se respire lenta e profundamente, no intervalo entre cada palavra pronunciada. Prestando atenção na respiração e nas pausas ao pronunciar de cada palavra. Isto também ajudará com que a atenção se volte ao interior, abandonando enquanto se medita, as pré-ocupações do trabalho, família e etc… fazendo parar lentamente toda forma de preocupação exterior. Focando a atenção somente, em seu eu mais profundo.
Com a prática da oração contemplativa, prestando atenção na respiração e nas palavras proferidas, a mente mergulhará vagarosa e gradualmente dentro de si mesma, onde encontrará repouso, tranquilidade e comunhão com o eu interior que é a casa de Deus. Encontrando Nele, conforto, serenidade, aconchego e amor.
Duas formas diferentes de cultivar a espiritualidade: Trabalho e Oração.
Então: viva sua vida, amigo. A vida ativa (cotidiana e de trabalho). Siga o exemplo de Marta! Cumprindo seus afazeres mundanos, no trabalho, na família e na sociedade. Porém não se esqueça de que, tão importante quanto a vida ativa, é a vida contemplativa (a vida de quietude e oração).
Na vida ativa você terá oportunidade de sentir-se produtivo e realizar muitas coisas, e a vida de oração contemplativa lhe ajudará a que as pré-ocupações advindas de toda esta agitação não tomem conta de sua mente. Assim, você conseguirá manter um equilíbrio sadio entre as duas formas de vida, sem precisar retirar-se da vida em sociedade para poder se re-equilibrar.
Ou, como dizia Martinho Lutero: Eu não posso impedir que os pássaros voem sobre minha cabeça, mas posso impedir que eles façam ninhos nela (cito de cabeça).
Só meia-hora do seu dia!
Reserve meia hora por dia e pratique a oração contemplativa. Pratique a oração contemplativa e, em meio as turbulências e pressões da vida moderna, conseguirá manter a paz interior e a comunhão com Deus- que habita no mais interior de seu próprio interior.
Vença as tensões, praticando as formas de relaxamento bíblicas, como as ensinadas pelo autor desconhecido!
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PARA SABER MAIS:
A NUVEM DO NÃO-SABER, ed. Vozes – de um autor desconhecido.
A EXPERIÊNCIA INTERIOR – de Thomas Merton.
BÍBLIA SAGRADA. Episódio de Marta e Maria – narrado nos evangelhos.
CHADAN, José. Misticismo e Apofaticidade em A Nuvem do Não-Saber de um Escritor Anônimo do Século XIV. Dissertação de Mestrado. PUC-SP, 2013.
MEDITAÇÃO TRANSCENDENTAL – de Lawrence Le Shan.
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* José Chadan: Professor, licenciado em história. Bacharel e mestre em filosofia. Escritor, pensador e autor do livro de poesias intitulado, Barca Melancólica (Fonte Editorial). Lecionou na rede de ensino do Estado de São Paulo durante 4 anos. Apresentou palestras para alunos pré-vestibulandos, cursos de jornalismo e participou de encontros e comunicações sobre filosofia medieval e existencialista. Nas horas vagas gosta de assistir cinema, caminhar pelas ruas da cidade e praticar meditação transcendental. Alguns de seus trabalhos estão publicados no blog: www.pistosdarazao.