O turista e o viajante

* Por Eduardo Benesi

Eu turista, vou naquela agência de todos os shoppings e peço pra que alguém me venda uma viagem pronta, fast-food, uma viagem em que eu deite em um resort de luxo e o meu maior esforço seja levantar o dedo e pedir o drink incluso no “sistema tudo incluso”.

Eu viajante, jogo combinações no Google: “lugares incríveis”, “cidades mágicas”, “relatos de mochileiros”. Peço conselhos pra gente que eu confio, quero blogs com spoilers, quero ideias inusitadas, quero um lugar onde eu pesque vaga-lumes laranjas em precipícios no meio do mar. Quero praias estranhas que desaparecem no verão, quero também pilotar um avião no Nepal- uma amiga disse que lá pode. Quero ir a Bollywood pedir autógrafos pra famosos que não conheço e dançar alegre e facinho.

viajante

Eu turista quero Nova York, quero tango de brasileiro em Buenos Aires, quero luz, Paris, quero tulipas e Amsterdã. Quero  pirâmides, fotos em pirâmides, quero Egito, e na Austrália quero coalas. Africa do Sul,  safari, Kruger Park, Caribe, Búzios, Cancun, Copacabana, Salvador, axé, Guarujá, Beach Park, Disney, Epcot, Mickey, Cassino, Foz do Iguaçu; tem coisa mais turista do que Foz do iguaçu?

Eu viajante quero norar um mês no bairro de Montmartre, e quero desvendar a Israel e sua vanguarda. Quero as cidades rurais e inocentes da Polônia, quero também o Drácula na Transilvânia. Quero Cingapura, Vietnã, Camboja, Bali, Tailândia, quero a Ásia inteira, quero engolir silêncios, quero fingir que sei meditar, quero o IDH emprestado do Butão. Quero a Italia inteira, em calorias, feitas de trêm, cidade por cidade. Quero a Colômbia caribenha e a Amazônia das praias doces, escondidas, quero ir a Parintins pra ser mais criativo. Quero o frio e o paganismo da Islândia, e quero voltar pra Berlim, é tão hedonista Berlim. Lost in translation: quero me perder na tradução em Tókyo, quero ser rebelde na Califórnia e quero arder em Marrakesh, arder conversando com camelos.

Eu turista quero o Free shop: quero  Kit-Kat, La Coste, garrafa Absolut que a prima encomendou, e um Ray-Ban porque eu lembrei que estou precisando. Quero dar check-in  no facebook, e escrever #partiu, e na volta  mandar lacrar a mala pra não roubarem meu Play 4, novinho.

Eu viajante quero estar atento a uma cena específica, a que eu mais aguardo em um aeroporto: a entrada triunfal da tripulação no avião, aero belas moças impecáveis, com malas de rodinha e saltos coreografádos. Elas vão lhe sorrir daqui meia hora, sorrisos treinados, lápis no olho, suco, água, refrigerante, e vinhos – meia garrafa.

Eu turista durmo com uma cápsula daqueles remédios que fazem gente dormir no céu. Antes disso tem as refeições, normalmente servidas uma hora depois da decolagem, uma bandeja de comidas de plástico, que possuem gosto de mentira, que parecem borrachas comestíveis, mas que na fome a gente acredita que é comida de verdade.

Eu viajante gosto da decolagem, de quando as rodas saem do chão, de quando pode não ter mais volta, de quando só verei brancos, azuis e escuridões pela janela. O bom de cair na janela é que a gente pode encostar na hora do sono, o bom do corredor é que a gente num precisa avisar o vizinho de poltrona.

Eu turista tenho medo, medo do meu inglês tímido, medo que o avião caia, medo de me sentir sozinho, medo de perder o voo, medo de alguém que eu gosto no Brasil morrer no meio da viagem, tenho medo de pegar uma gripe e que não tenha quem me leve pro pronto-socorro. No aeroporto, dou abraço demorado. Abraço de aeroporto é sempre uma despedida antecipada, pra caso eu não volte, acreditem, sinto muito medo na hora de dar tchau pra família, sinto uma saudade também, uma saudade preventiva, que eu não sei explicar.

Eu viajante, choro diversas vezes, é um choro alegre, contente, livre, choro no momento do pouso no destino sonhado, choro com gente que eu conheci no mesmo dia, e o inglês já não é mais problema, meu sorriso é quase um idioma, coringa: ganho carona, carinho, ganho colar havaiano, ganho até almoço inesperado. Sou corajoso, meu fôlego é diferente, minha resistencia é de quem vai dormir as 3h da madruga e acorda as 8h cheio de saúde, pra num perder um momento, pra não disperdiçar uma lágrima.

Eu turista por vezes sou viajante, eu viajante quero cada vez menos ser turista. Turistas e viajantes vão aos mesmos lugares, o que muda é o jeito, o trajeto, o sabor do durante.

Eu turista preciso de GPS, carro alugado e guia do ano, preciso comprar o passeio e ser pontual para não perdê-lo, e preciso fazer filinha indiana, e preciso que me vejam no instagram comendo cuscuz.

Eu viajante adoro descobrir um caminho no mapa, e achá-lo na prática, de prefência em contato com a cidade, com as pessoas, sair perguntando, puxar assunto, ver que fui capaz de chegar a Roma porque tenho a tal boca, saber exatamente onde eu estou, olhar no mapa e me ver distante das minhas zonas preguiçosas.

Eu turista preciso de um frigobar com regalias e de banheira com água bem quente, preciso de alguém que leve minha malas e de funcionários que sigam padrões forçados de simpatia 5 estrelas. Não eu não preciso disso.

Eu viajante preciso de 3 coisas: locker no quarto, localização estratégica e ventilador. Preciso de gente como eu, que queira interagir, preciso de sorrisos, trocar dicas, dividir iguarias culinárias na cozinha comunitária, trocar ideias na beliche do quarto coletivo, quando a falta de sono não quer que ninguém apague a luz.

Eu turista preciso dar check nas paradas postais obrigatórias, preciso cumprir o roteiro, preciso ticar meu cronograma e tirar foto pra provar que estive no Oceanário, check. Preciso fingir que o Louvre não é uma chatisse, e que a Torre Eiffel não exige pernas resistentes que aguentem 20 minutos de escadaria para atingir seu topo envolvido por grades, check.  Preciso ir no Obelisco, sem nem ter jogado no Google pra saber o que ele significa, só por ir, só pra dizer que eu fui, check. Preciso ir a Chinatown, preciso fingir que ela não é igualzinha em todo santo lugar do mundo.

Eu turista sou o cara mimado, que mora com os pais, que tem casa, pizza e roupa passada. Que não sabe lidar com desvios de percurso, que não aceita mudanças repentinas,que anda de meia pelo apartamento, que quando não da certo foge pro sofá, que se irrita com gente que anda devagar, que não sabe ser resiliente. Que luta pra que seu cotidiano fuja daquela mediocre rotina classe média, shopping, praça de alimentação, Jornal Nacional, sexta sua linda.

Eu viajante sou gente inspirada, quero abraçar o instante, quero namorar imprevistos, quero hamburguer de guacamole feito pelo ogro da lanchonete do hostel. Não tenho pressa, gosto que cada coisa se demore pra dar tempo de durar. Ando descalço, ando de chinelo, ando em cima da prancha, ando duas horas de trilha sem reclamar. Eu viajante distribuo meu melhor: minha gentileza, meu carisma, meu abraço demorado. Eu viajante divido como ninguém.

Eu turista preciso de gente junto, pra dividir a diária, pra tolerar na convivência, pra perceber que dividir viagens é o mesmo que dividir um espaço sem paredes, e esse espaço pode ficar gigantesco e multiplicar intimidades pra sempre mas pode naufragar relações de anos porque quando parcerias de viagem não fluem tudo começa a ficar sufocante, vira rotina de casal em crise.

Eu turista penso nas férias, penso que viajar é só a parte legal do ano, um ano dedicado a um mês, um mês brincando de ser livre, brincando de prisão condicional. Quem derá se fosse ao contrário. Quem dera ser como eu, viajante. Eu viajante faria tudo diferente, minha viagem seria o próprio trabalho, viveria como gente que já vive assim, que viaja por aí com pouco dinheiro e muita simpatia, que abraça o mundo com o que tem de melhor, que sabe que viajar é um tipo de troca, é fermento pra se viver, é suco refrescante.

Eu turista não durmo um dia antes, eu viajante sonho todos os dias.

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benesi* EDUARDO BENESI é Pedagogo, consultor cultural, formou-se também no teatro para atuar escrevendo. É um hispster inconfidente que carrega bandejas com cebolas gigantes para viajar o mundo, e o seu rodizio é de terça-feira. Pede tudo sabor queijo, da abraço demorado e tem um site em que coleciona pessoas e instantes: o www.favoritei.com.br