A armadilha da mega-sena
*Por Frederico Mattos
O que você faria se virasse milionário da noite para o dia?
“Pararia de trabalhar e viveria numa boa, viajando e aproveitando a vida.” Seria a resposta de muitos.
Com raras exceções essa é a visão de riqueza que nutrimos, a de algo que nos desobrigue do peso da vida.
Curiosamente, noto que existe uma certa excitação juvenil no tipo de atividade escolhida pós-riqueza. Não tenho nada contra viajar ou ter momentos de lazer, mas acho um pouco estranho que alguém se empolgue em sair de um país para outro com o único objetivo de peregrinar e conhecer culturas diferentes e excêntricas sem nenhuma outra motivação. O que se ocultaria nesse desejo quase unânime de sair do lugar em que se está para viver voltado para si como um cigano sem finalidade?
Penso também naquelas pessoas que optariam por uma vida nababesca cercada de serviçais prontos para atender aos seus desejos mais básicos.
Confesso que acho um pouco infantil o desejo por esse tipo de passividade aleijante. Qual é o grau de realização de uma pessoa que abre mão de fazer tarefas básicas como preparar sua comida ou banho?
O desejo por cuidados constantes me soa como a concretização de uma grande mãe onipotente e onipresente representada pela riqueza.
Não uma mãe do tipo que estimula a conexão com a vida, pessoas, trabalho, estudo. Mas daquelas que incitam a paralisia, a apatia e o isolamento numa vida sem sentido e voltada exclusivamente para si.
Nesse caso, a riqueza me parece muito mais uma descaracterização do que nos faz humanos e uma visão estereotipada da felicidade enquanto negação do esforço pessoal e do senso de coletividade.
Chego a pensar que esse é o motivo inconsciente de muitas pessoas temerem o dinheiro abundante ainda que aleguem o contrário.
Se há algo na mente humana que tenta regular os impulsos internos para que não nos tornemos escravos da apatia então a riqueza seria seu inimigo número um. O mandato interno seria: “não enriqueça para não se desumanizar”
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* Frederico Mattos: Sonhador nato, psicólogo provocador, autor do livro “Mães que amam demais”. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas cultiva um bonsai, lava pratos, oferece treinamentos de maturidade emocional no Treino Sobre a Vida e se aconchega nos braços do seu amor, Juliana. No twitter é @fredmattos.
Revisão: Bruna Schlatter Zapparoli