Hipsters: pra que servem?
* Por Eduardo Benesi
Hipster é um termo que sofreu mutações. Tem sua raiz na geração beatnik e foi disseminado pelos escritores hedonistas e suas viagens físicas e alucionógenas pelas estradas norte-americanas.
O hipster de hoje é tido como um inovador de comportamentos, um “novidadeiro”. É um apreciador do vanguardismo. Ele é quem dita o que o mundo alternativo trará de novo e que inevitavelmente através de um processo de repetição será absorvido pela massa e consequentemente rejeitado por esse mesmo hipster que iniciou a moda. Esse processo geralmente é chamado por muitos de “Orkutização” – uma alusão ao caráter popular que a Rede Social foi ganhando, deixando de ser “descolada”. Outro termo muito usado e mais adequado ao vocabulário hipster para (des)caracterizar tudo o que começa a ficar muito acessível socialmente é “mainstream”.
O hipster é sedento pela novidade, pelo não revelado, pelo hype, pela aventura de descobrir tesouros não tangíveis, e potes de ouro no fim da esquina de uma rua do Brooklin em Nova York. Muito por isso o hispter costuma ter um certo egoísmo cultural em relação aos seus achados. Acredita que quando algo vira chavão de mercado, ele tende a se moldar ao fácil, ao didático, ao vendável, perde a essência, há algo de prostituto nesse processo. Na cabeça do hispster tudo o que se adequa ao mercado fica mais vulgar. O hipster é um ativista da raridade, ele com certeza teria protegido os índios das missões civilizatórias, ele manteria em segredo a existência do mundo abissal, e desejaria que ninguém tivesse conhecido o cinema de Wes Anderson. Eu diria que o hipster é completamente necessário ao equilibrio do mundo social. Ele é um mecanismo potente que nos livra das gaiolas invisíveis, ele é o empurrãozinho para que o novo chegue até você.
A linguagem do hispter geralmente é a ironia, sua plataforma mais hábil para isso é o Twitter. O hispter de Twitter geralmente apela para o humor negro: não se surpreenda se ele zombar da morte de uma celebridade, ou fizer uma piada sagaz quando não pode. Eles querem isso, estampas que choquem em 120 caracteres. O lado mais interessante disso é que esse humor também inclui rir de si mesmo. Eles não poupam nem ao próprio avatar na hora de fazer uma piada inteligente, isso pode valer muitos followers. As características mais comuns de um Tweet de hipster são: alterar propositalmente a gramática das palavras de origem gringa, tirar conclusões forçosamente toscas sobre o ser humano, ou cultuar a pseudo-sabedoria das semi-celebridades.
“Tá explicada a euforia do aifones, minha gente. Esperar e pagar caro por um telefone é “vintage”.”
“o ser humano é 70% composto de água e nem assim consegue ser transparente.”
“acabei de colocar o nome da Jennifer Lopez na lista do Glória. a gente nunca sabe…”
“a dupla do mal: atual de ex e ex de atual.”
“No Brasil, “Os Homens que Não Amavam as Mulheres” podia chamar simplesmente “Avenida Paulista”.”
O hipster de Facebook é a versão mais branda e poética dessa “não-tribo”. Eles geralmente colocam corações próximos de frases fofas, defendem o uso de bicicleta e provocam os reaças de suas timelines a “desfazerem a amizade”. Um “bom” hipster é geralmente um exímio stalker. É daqueles que sabe fuçar, que sabe se jogar no Google. É um competente detetive do novo.
O hipster geralmente não gosta de ser designado assim por diversos motivos: o primeiro é que catalogar uma tribo abre portas pra uma codificação banalizada; lembram dos Emos? É como se fosse um “Clube da Luta”. Nunca fale que você é um membro. Aliás, não estranhe em ver um hipster (não- declarado) falando mal de hipsters. Sim existe esse paradoxo: são pessoas irônicas, cheio de sacadinhas espertas, que gostam de tudo o que um hipster gosta, que curtem coisas diferentonas – que nem os hipsters – mas que fazem jus ao manual de armário que todo hipster cumpre: fale mal dos hipsters.
Sim, parece quase um paradoxo, uma contradição, mas pense: se você é um descobridor de novidades, e quer preservá-las a todo custo, saber que existem outros novidadeiros é um fator desestimulante. Esses outros concorrem com você nessa busca pela abundância do novo. Quanto maior o numero de hipsters, menor a chance de você descobrir algo exclusivo. Outra coisa importante: a partir do momento em que um termo passa a ser usual, massificado, popular, ele acaba seguindo o caminho do comum, do popular, é como se catalogar um grupo de pessoas como hipsters levasse de certa forma a sua reputação pras garras do mainstream.
Lembre-se, o hipster odeia a moda, ele quer vê-la de longe, quer estar passos a frente dela, quer vir antes, quer ser a própria vitrine do que daqui dois anos ele não vai querer usar. Pode parecer elitista, mas é quase um protesto a mediocridade, ao montante de regras impostas pelo sistema e pelo anti-sistema. É um rir de si mesmo, é diferenciar dos valores da “classe média que sofre”. O hipster não pratica apenas uma liberdade – que aparentemente parece fútil – ele quer se soltar do senso comum, da arrogância intelectual, ele odeia as verdades universais, ele só se conforta com o anuncio da mudança. O hipster se gaba da liberdade de dizer por aí que gosta de reality shows, ou que acham a Preta Gil uma diva. O hipster não aceita que o mundo seja apenas cinza porque alguém falou, ou “porque sim”.
Hipsters gostam de comida veggie, de ir pra Berlim, da Bjork, de adotar cães vira-latas, dos filmes do Lars Von Trier, de Tumblrs eróticos, da Top Man, da revista TRIP, de se fingirem de pobres, de usar moletom, da Zoey Deschannel, de camiseta listrada descombinando com bermuda estampada, de mochilar pela Ásia, dos vídeos do TED, de cultivar hortas em apartamentos, de Foster the People, de aprender francês, de ser ateu com a auto-ajuda, de buteco sujo com cerveja barata, de meias coloridas, de ir na festa Voodoohop, de usar câmeras da Lomo, de comprar o ingresso do festival de música no primeiro dia, de criticar um meme, de falar mal de quem fala mal de algo e de quem posta frases da Clarice Lispector e pode anotar: os hipsters ainda vão falar muito mal da outra Clarice, a Falcão. O hipster gosta sempre de ser a exceção. E que tudo isso não seja uma via de regra, afinal eu gosto de tudo isso, mas claro que eu NÃO SOU UM HIPSTER.
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* EDUARDO BENESI é Pedagogo, consultor cultural, formou-se também no teatro para atuar escrevendo. É um hispster inconfidente que carrega bandejas com cebolas gigantes para viajar o mundo, e o seu rodizio é de terça-feira. Pede tudo sabor queijo, da abraço demorado e tem um site em que coleciona pessoas e instantes: o www.favoritei.com.br