Fãs, fanáticos e militantes: um raio-x
* Por Frederico Mattos
O que existe em comum entre um fanático religioso, um fã desesperado de artista, uma pessoa que ama platonicamente e um militante fervoroso? A obsessão implacável com seu objeto de adoração.
Ao lado de casa no Hotel Tivoli, senti um assombro quando vi uma horda de jovens gritando enlouquecidamente por um hospede ilustre, o cantor americana Justin Bieber. Confesso que nunca tinha me deparado com tanta gente aflita fora de um show. Eu reparei que algumas garotas carregavam posters como se fossem santinhos religiosos, outros gritavam fervorosamente como se tivessem louvando uma entidade sobrenatural. A cada suposta passagem dele pela janela é como se um milagre tivesse acontecido e era ovacionado com toda devoção.
A maioria era adolescente, mas consegui notar alguns adultos por ali que apesar dá disparidade com o resto clamavam como se sua vida dependesse disso.
Minha curiosidade me fez perguntar para uma das garotas.
– Quem está aí?
– Você não sabe? – indignada
– Não.
– Justin Bieber – soltou um gritinho – ele é incrível, minha vida, lindo.
– Você está aqui há quanto tempo?
– Há 3 dias, mas valeu cada segundo, já consegui uma foto, de longe, mas nítida, tenho fé que vou conseguir chegar mais perto.
A mente humana não se desenvolve magicamente e sim num crescimento continuo de sobreposição de camadas que se alinham, ajustam e se conversam.
O molde básico é invariavelmente a mente dos seus cuidadores primários. Esse percurso, no entanto, não é linear e obvio como idealizamos.
Aquela rede de segurança psicológica que se forma ao redor da mente infantil preserva as funções básicas e necessárias para um desdobramento saudável.
Especialmente na adolescência ocorre um vácuo psicológico dessa teia segura e a vida adulta tão cheia de ambiguidades e incertezas.
Se a película básica foi formada de modo adequado e foi atingida certa saciedade emocional aquele jovem inseguro atravessa o inevitável desequilíbrio para uma fase mais estável. Infelizmente a maioria reforça o abismo juvenil e entra com o pé esquerdo na vida adulta oscilado entre uma mente alienada ou obcecada em temas específicos e nada diversificados.
Isso acontece também com aquelas mentes criminosas que se convertem cegamente na adoração espiritual. Na falta de uma estrutura psicológica estável e infernalidade o sujeito bélico se agarra num totem externo que garanta o modo que deve ser e agir, sem tirar nem por. Ele se torna um ego auxiliar nessa fase difícil de readaptação. Assim como acontece com os Alcoólicos Anônimos.
As pessoas fanáticas de alguma maneira se alimentam de 3 coisas: emoções fortes, ideais inatingíveis e uma vida devocional.
Emoções fortes
Para quem vive em tons pasteis e é incapaz de produzir vivacidade própria o ídolo é o mobilizador de grandes emoções. Os altos e baixos de cada movimento dão o colorido que falamos numa vida cheia de incertezas e pode distrair alguém de suas profundas angústias.
Ideais inatingíveis
A distância segura é fundamental para que o grau de idealização se reforce. A realidade confrontaria o seguidor cego a enxergar uma fatia de humanidade indigesta e muito parecida com a sua. Por esse motivos quanto mais inatingível é o ser idolatrado melhor, ele cairá mais facilmente nos jogos de manipulação mental. Se o seguidor está triste ou alegre pode apelar para seu ídolo como quiser. Ao passo que se aquele está muito perto já não fica passível de articulações mentais.
Vida devocional
Essa película psicológica frágil cria uma identidade porosa que se adere em qualquer superfície mais brilhante ou intensa. Logo, qualquer figura de poder (ídolo artístico, padre, pastor, presidente, chefe, pessoa linda) se torna o recipiente que a aquela pessoa de textura pálida irá desaguar para escapar de si mesma. Ao virar seguidora de determinada causa aquela devoção substitui suas escolhas e potenciais fracassos. A vida não lhe pertence, mas sim àquela entidade soberana e o sentimento de culpa, insucesso ou responsabilidade é eclipsado.
Não imagino qual seja uma boa saída para esse tipo de vida devotada, mas uma pista é clara e passa pelo fato de construir uma realidade própria com vivências de carne e osso.
Detalhe: Ele não passou nem de longe no hotel, apesar das fãs dizerem que o viram.
___________
___________
* Frederico Mattos: Sonhador nato, psicólogo provocador, autor do livro “Como se libertar do ex” [clique aqui para comprar] e “Mães que amam demais”. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas cultiva um bonsai, lava pratos, oferece treinamentos de maturidade emocional no Treino Sobre a Vida e se aconchega nos braços do seu amor, Juliana. No twitter é @fredmattos e no instagram http://instagram.com/fredmattos