Insônia
* Por Frederico Mattos
O som infernal do relógio de ponteiro parece entrar nos ouvidos como uma flecha após a outra. Ouve-se o som do silêncio e os movimentos de uma formiga pela casa. O corpo vira para lá e para cá e não há remédio, meditação ou exorcismo que aparentemente resolva.
“A insônia é a vingança da mente por todos os pensamentos que evitamos durante o dia” – Alain de Botton, filósofo suíço
A insônia afeta quase uma e três pessoas no Brasil, ou seja, em sua casa certamente tem alguém que perambula de um lado para o outro sem sono ou guarda esse segredo no desassossego diário da cama.
Apesar de parecer uma doença por conta de estudos que apontam quedas de serotonina ou de influência genética e até de fatores alimentares a insônia me parece mais psicológica do que física.
O insone costuma ser o tipo de pessoa trancafiada numa diarréia mental, ela simplesmente perdeu a habilidade de serenar seus sentidos, relaxar o corpo, desacelerar a mente e fazer a entrega absoluta para seu apagão diário.
Nota-se certo traço comum entre aqueles que não desligam sua mente, são agitados, controladores e querem engolir o mundo ao seu modo.
Para alguns o sono chega a parecer uma perda de tempo, atestado de preguiça ou momento de improdutividade.
O mal do insone é ser incapaz de entregar-se com leveza, pois é daquele tipo de pessoa que se imagina importante demais para deixar um problema sem solução. Em seu sistema emocional precipitado nada pode ser deixado para amanhã e para isso se arroga o esforço de ficar debruçada sobre um dilema como se seu olhar fosse diluir ou decifrar o enigma da esfinge. Sua filosofia de vida é pesada demais para deixar um ponta solta.
Conheço também os insones que querem arrastar seu dia para além do tumulto cotidiano e se refugiam numa solidão noturna para “recompor” suas energias. Vivem jornadas duplas para garantir sua porção de privacidade e silêncio. O adiamento do término do dia é uma tentativa de não se render ao dia seguinte para começar tudo sob outro roteiro. São os que temem as demandas pela manhã e evitam que um novo dia comece estendendo o quanto podem o dia começado.
Nessa ansiedade interminável de quem quer ter tudo sob sua guarda o insone é dominado por uma mente que funciona obsessivamente pulando de assuntos irrelevantes para imagens confusas e pressões imaginárias. A insônia é o retrato de uma mente que não deixa ninguém em paz, nem a si mesma. É daquele tipo de escravidão auto-deflagrada por um tipo de hábito de não gostar de baixar a guarda ou retirar o time de campo.
A noite que avança desesperadamente é o último suplício de quem passou o dia todo colocando seus sentimentos e insatisfações debaixo do tapete e recebe ao fim do dia o despejo acumulado do que foi negligenciado sob o império do sol.
O preço é alto demais, mas para quem alimenta a insônia o desafio maior é deixar que sua mente não seja bombardeada de intenções falsamente produtivas. O que o insone não se dispõe a fazer é esvaziar sua mente de verdade, peso e concretude. Para ele cada pensamento merece ser cavalgado e seguido como João e Maria fizeram na casa de doces.
Existe tanto pânico em se entregar para o mundo do sono e do inconsciente (caótico, fora de controle, emocional, irracional, revelador) que a pessoa se agarra no estado desperto ao mesmo tempo que se sente vitimizada por uma mente que não relaxa. Oras, é a própria pessoa que vem cultivando dias, meses e anos de uma ditadura psicológica.
A decisão definitiva e difícil do insone é entregar-se para o desconhecido noturno, suprimir suas preocupações e desidratar a mentalidade onipotente que cultiva. Se isso já pudesse ser considerado eu aposto todo meu coração de que o sono já viria com muito mais simpatia do que aflição.
___________
* Frederico Mattos: Sonhador nato, psicólogo provocador, autor do livro “Como se libertar do ex” [clique aqui para comprar] e “Mães que amam demais”. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas cultiva um bonsai, lava pratos, oferece treinamentos de maturidade emocional no Treino Sobre a Vida e se aconchega nos braços do seu amor, Juliana. No twitter é @fredmattos e no instagram http://instagram.com/fredmattos