7 pecados capitais – Ira

* Por José Chadan

IRA – a autopreservação pervertida

 

A ira compõe o quadro dos sete pecados capitais representado pelo pintor Hieronymus Bosch, elaborado e hierarquizado também pelos doutores da igreja medieval. Mas antes de falarmos sobre o pecado da ira, precisamos perguntar o motivo de este sentimento ter sido elencado entre os maiores pecados que uma pessoa pode cometer?
Pecado, do latim peccatum, literalmente quer dizer passo em falso. O pecado é um passo em falso que a pessoa dá, cometendo transgressão contra a lei divina. Mas para que serve a lei divina? Quem a promulgou? Por acaso um ato pecaminoso seria capaz de afetar a Deus ou tão somente àquele que praticou tal ato?

Fragmento de Os Sete Pecados Capitais, representando o pecado da Ira – Hieronymus Bosch

Fragmento de Os Sete Pecados Capitais, representando o pecado da Ira – Hieronymus Bosch

Imaginemos que tenha sido o próprio Deus quem inspirou e instituiu as leis e mandamentos que estão nas Sagradas Escrituras. Agora, imaginemos que alguém transgrida estas leis. No caso específico do pecado da ira, este pecado infringe um dos dez mandamentos onde o Senhor diz para não matar (Cf. Êx. 20, 13)..
Para entendermos melhor a proibição de não matar, proponho um exercício imaginativo: se alguém transgredisse esse mandamento, acaso Deus sairia prejudicado? Uma pessoa tomada pelo sentimento de ira agride ou mata outra pessoa, acaso Deus saiu prejudicado?
Se compreendermos que Deus não saiu prejudicado por causa de um ato de ira cometido por uma pessoa, então quem terá sido prejudicado? Em primeiro lugar, a pessoa que foi alvo e objeto dessa ira. Em segundo lugar, a ordem criada por Deus, que devido a tal ato, perdeu, por breve instante que seja, a harmonia que Deus lhe impingiu. E, em terceiro lugar, o próprio pecador, que irou-se, agredindo em primeiro lugar uma outra pessoa e com isto, causando desequilíbrio na ordem criada (que inclui sua própria pessoa, pois ele faz parte da ordem criada).
Porventura queria Deus proteger a própria pessoa ao proibir que ela se irasse? Porventura queria proteger a criação como um todo? Ou proteger a comunidade dos homens que optaram por seguir tais leis?
É justamente porque o pecado da ira afeta tanto a pessoa que se ira, quanto o alvo para quem a ira foi, por assim dizer, dirigida ou atirada e, por conseguinte, desestruturar a harmonia e equilíbrio anterior ao ato, que a ira está elencada entre um dos sete pecados capitais.
Contudo, para não cometermos o pecado da ira, não basta que ouçamos a proibição gravada nas tábuas de pedra dos dez mandamentos, antes, é preciso que encontremos uma forma de gravá-la nas tábuas de carne do nosso coração. E, para tanto, precisamos aprender algo mais profundo: precisamos compreender quais são os mecanismos internos que nos leva até o sentimento de ira.
Os mecanismos podem ser muitos, todavia, vejamos se podemos encontrar o mecanismo ou os mecanismos principais que nos fazem sentir ira e disparam em nós a ação que acarreta tal pecado.
O ser humano compartilha com os animais, o instinto de autopreservação. Logo, ao ver-se ameaçado, o homem pode fugir ou atacar. A ira se caracteriza pela segunda opção – a de atacar. Na base do pecado da ira está o instinto de autopreservação, instinto este, biológico. Porém, a diferença da ira no homem e no animal, é que neste, a ira é pontual e efetivamente o prepara para o ataque e a autopreservação, ao passo que no homem, por conta do componente imaginativo, a ira pode desencadear reações biológicas prejudiciais, como o aceleramento dos batimentos cardíacos, a tensão muscular, a respiração encurtada, sem que o perigo esteja evidentemente presente.
Tome, por exemplo, o retrato de uma pessoa que você detesta e logo verá disparado o sentimento de ira. Não há perigo real ao olhar o retrato e, no entanto, você sente em seu corpo, todos os efeitos nocivos da ira. A ira que você sente ao ver o retrato de uma pessoa que você detesta, não lhe ajuda a preservar a própria vida, apenas dispara um sentimento ruim que se você não se policiar, poderá reforçar por muito tempo em sua vida. O animal sente ira, ataca e segue em frente. O ser humano, por causa da memória e da imaginação, pode reforçar o sentimento da ira, sem que haja perigo evidente. Isto feito a longo prazo, transformará sua personalidade e ele poderá se tornar uma pessoa violenta, desconfiada e paranoica.
O ato de reforçar um sentimento se deve ao fato de não vivermos em um mundo natural somente – como os animais-, mas vivermos em um mundo animal moldado pela cultura, e por isto, o instinto de preservação que dispara a ira começou a tomar novas formas, dadas pela cultura. Então, o homem passou a irar-se contra seus semelhantes em qualquer situação aonde estes lhe pareçam uma ameaça.
Uma pessoa hostiliza e se ira contra outra ao achar que esta lhe passará a perna no emprego. Ou, por ter sido roubada; insultada no que ela considera ser sua honra. Pode irar-se mesmo com alguém que lhe esteja ajudando, ao sentir-se ameaçada por alguém que possui um talento superior ao dela (neste caso, ira se mistura com inveja). E, pode até mesmo ser uma causa imaginária, sem fundamento real algum, onde ira e paranoia se misturam ou ainda, um ressentimento.
É preciso identificar a causa da ira, pois, a não ser que tenha fundamentos na realidade e sirva para autopreservação, ela causará danos psicológicos em quem a sente. A pessoa irada não percebe o quão prejudicial é o sentimento da ira para si mesma.
Por estas e tantas outras razões é que os dez mandamentos querem banir a ira do coração dos homens e que Tiago em sua carta à igreja de Cristo, exorta seus irmãos de fé para que todo homem demore para irar-se, pois a ira não produz justiça divina (Cf. Tiago, 1- 19-20).
E, ao contrário da ira que compõe os sete pecados capitais, temos a paciência, que compõe as sete virtudes. Para se combater o pecado da ira é preciso perseverar e exercitar a virtude da paciência. Porém, deixemos este tema para a ocasião apropriada.

PARA SABER MAIS:

BÍBLIA SAGRADA. Revista e corrigida por João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica Brasileira, 1993.
Algum livro de teologia ou literatura medieval que oponha os sete pecados capitais às sete virtudes cristãs.

* Jzé rosto e terno (1)osé Chadan: Professor, licenciado em história. Bacharel e mestre em filosofia. Escritor, pensador e autor do livro de poesias intitulado, Barca Melancólica (Fonte Editorial). Lecionou na rede de ensino do Estado de São Paulo durante 4 anos. Apresentou palestras para alunos pré-vestibulandos, cursos de jornalismo e participou de encontros e comunicações sobre filosofia medieval e existencialista. Nas horas vagas gosta de assistir cinema, caminhar pelas ruas da cidade e praticar meditação transcendental. Alguns de seus trabalhos estão publicados no blog: www.pistosdarazao.blogspot.com.