Félix: um retrato da maldade
Ganancioso.
Invejoso.
Competitivo.
Violento.
Assassino.
Mentiroso.
Manipulador.
Chantagista.
Golpista.
Teríamos vários adjetivos que poderiam descrever Félix, personagem interpretado com desenvoltura por Mateus Solano na novela “Amor à vida” da Rede Globo. Seu comportamento debochado, provocador, ácido e persuasivo arrancam suspiros de alegria e raiva do público. Ele é o vilão adoravelmente odiado e isso tem uma explicação: gostamos de ver retratado lá fora os demônios que nos habitam.
A mais angelical das pessoas carrega consigo uma nuvem escura de pensamentos que variam entre resmungos, críticas sem sentido, invejas cotidianas, desejos inconfessáveis, enfim, tudo o que não se pode ser publicado para o mundo sem sofrer algum tipo de retaliação.
Naquela parte vergonhosa de nossa mente julgamos ferozmente a roupa feia da amiga, o jeito idiota de falar da pessoa, o caráter duvidoso do colega de trabalho e até o traço maluco da mãe. Nada escapa ao radar da maneira maliciosa de enxergar o mundo. Aquele desejo quase obsessivo de tentar corrigir o mundo e diagnosticar as desgraças que nos cercam criam um repertório vasto de impressões “maldosas” sobre os outros.
O que Félix faz é evidenciar com uma dose de bom humor e cinismo aquilo que muitos pensam, mas ocultam na camada superficial de boa educação. Ele até virou uma imagem simbólica para se dizer o que passa pela cabeça, mas ninguém confessa.
Existe algo na personalidade do Félix que me intriga que é sua relação com os pais.
Seu pai César (Antonio Fagundes) é um poço de contradições, conservador, moralista, reacionário, preconceituoso e implacável quando se trata do erro dos outros. Curiosamente guarda seus melhores sorrisos para a amante, que com seu jeito liso arranca tudo o que é possível dele. Seu ataque declarado contra a homossexualidade do filho e suas variadas formas de opressão certamente repercutiram na personalidade do filho.
Toda pessoa que se sente ou é colocada num grupo de minorias está sempre mais vulnerável (não é determinante) a reprimir seus gostos e talentos e dessa forma fica mais propensa à inveja e mau humor. Olhar as conquistas alheias é sempre um lembrete indelicado para o próprio insucesso.
A mãe Pilar (Susana Vieira) parece estar de acordo com cada comportamento hediondo do filho. Qualquer coisa que ele faça ganha pinceladas doces e que subvertem a lógica, seu bebê está sempre certo e bem intencionado. É declaradamente uma mãe doente e que ama de mais.
Com essa dupla bombástica seria quase um feito se Félix conseguisse transitar com saúde mental pela vida. As sementes de raiva e superproteção criaram um temperamento reativo, mimado e capaz de agredir quem quer que se ponha no seu caminho.
Associado a isso Félix e sua auto-aversão sexual incutida pelo pai preconceituoso fez com que ele desenvolvesse uma maneira muito habitual para lidar com o ódio de si mesmo, atacar e submeter os outros.
O que quero dizer é que aquilo que é visto como maldade, longe de ser inexplicável ou irracional é construída ao longo de anos de vida associada a contextos desfavoráveis. Quando a pessoa toma as rédeas de sua perversidade é muito difícil afirmar que ela tem alguma escolha absoluta sobre o que faz. Sua mente já está completamente impregnada de si mesma e do pior que se pode produzir, o sujeito vira uma autômato de sua sede por retratação e se torna o vilão que reivindica sempre o posto de soberania.
Se Felix fosse uma pessoa real, e não duvido que existam muitos por aí, certamente precisaria muito mais do que prisão ou terapia, mas uma boa dose de compaixão genuína que o fizesse entender que repressão não se combate com um ciclo interminável de dor e terror.
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