“Ele não te merece”
* Por Frederico Mattos
Essa frase tão usada entre amigas que se ajudam numa hora difícil para aliviar as dores de um abandono parece inocente e consoladora. Vou mostrar que ela é um veneno.
Ao dizer isso sua intenção é exaltar que ela é muito boa-legal-bonita-nobre-
No entanto essa boa intenção incita uma reação do tipo: “é isso mesmo amiga, eu sou mais eu, me dou valor e não é esse babaca que vai definir se tenho virtudes ou não”. Parece bonito ver uma mulher reagir como uma amazona que se reergue e dá a volta por cima.
Deixemos o cara um pouco de lado e nos concentremos na dor que ela sente.
Ao “ajudar” a amiga a neutralizar a importância do cara essa garota precisa fazer uma manobra psicológica perigosa, negar o que sente pelo rapaz, racionalizar algo prematuro e se motivar a partir de uma noção equivocada de mérito e superioridade.
Em anos de utilização sucessiva dessa estratégia essa mulher dará condições para se tornar uma pessoa fria (bloqueou suas emoções), impiedosa consigo (e com os outros), competitiva (já que a experiência amorosa é um jogo), reativa (não fazer o que engrandece, mas como contraponto imediatista do outro), amargurada (por se inibir a entrega tantas vezes) e insensível para suas próprias emoções.
Honestamente não vejo onde existe ajuda em aconselhar alguém a ser mais endurecida a pretexto de ver a dor ser diluída.
Quando bloqueamos afetos dolorosos a mesma operação mental é estendida para a capacidade de sentir empatia, contentamento, alegria, esperança e otimismo. É uma ingenuidade pensar que podemos tirar a sujeira emocional sem sacrificar a dimensão lúcida e de compaixão da personalidade.
Que tipo de ajuda restaria nessa ocasião? Olho no olho, toque nas mãos, respirar junto, oferecer a própria fragilidade diante do acontecimento terrível, chorar o luto junto, dar tempo para que tudo se acomode, ajudar sem as tradicionais tentativas de consertar o outro abafando as emoções.
Se queremos preservar o melhorar de nós e dos outros precisamos navegar nos mares tumultuados do coração sem gerar um eclipse psicológico irreversível.
Ao querer arrancar a dor do outro o tal amigo está tentando afastar de si mesmo a ferida que o incomoda também. Essa ajuda não deixa de ser um meio de extravasar suas próprias magoas e histórias não resolvidas. Se quiser ajudar mesmo terá que engolir lado a lado o sentimento de impotência tão inevitável na vida.
Desafiador? Certamente, e a longo prazo mais saudável do que viver de apagar incêndios.
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* Frederico Mattos: Sonhador nato, psicólogo provocador, autor dos livros “Relacionamento para leigos (série For Dummies)[clique]“, “Como se libertar do ex” [clique aqui para comprar] e “Mães que amam demais”. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas cultiva um bonsai, lava pratos, oferece treinamentos de maturidade emocional no Treino Sobre a Vida e se aconchega nos braços do seu amor, Juliana. No twitter é @fredmattos e no instagram http://instagram.com/fredmattos – Frederico A. S. O. Mattos CRP 06/77094