As várias faces do EU
No trabalho de psicólogo me sinto um escultor de almas. Não que eu manipule o destino das vidas ou dite regras do que é bem viver, mas porque vejo diante dos meus olhos verdadeiras esculturas humanas se revelarem.
Há pessoas que buscam a terapia completamente disformes, muitas vezes incapazes de afirmar o que são, do que gostam e o que buscam em suas vidas. Meu trabalho é ajudar a pontuar e revelar as convicções que estavam debaixo da fuligem de uma personalidade previsível, conformada, passiva, reprimida e apagada. O carinho e o acolhimento são essenciais para que a pessoa seja encorajada a revelar-se para si mesma e depois se posicionar diante do mundo. É lindo ver o desabrochar de uma pessoa que era invisível para a vida.
Existe aquele que ao contrário do anterior chega exageradamente certo de tudo sobre si mesmo. Sabe sua história, oferece autodiagnósticos “precisos” sobre si e praticamente tenta me fazer crer que nem precisa de ajuda. Neste caso o trabalho terapêutico busca abalar as certezas, colocar dúvidas saudáveis, confrontar filosofias de vida e chacoalhar qualquer segurança que a pessoa traga. Esse trabalho é mais difícil para a pessoa, pois costumo pontuar com mais firmeza os pontos pseudo-fortes que acobertas as profundas vulnerabilidades. Normalmente precisam de flexibilidade e leveza, pois seu excesso de método criaram muitas cascas em torno de si e com o passar do tempo perderam a espontaneidade.
Outros são aqueles que chegam com uma vida completamente ameaçada por instabilidades, oscilações e certa volubilidade. Costumaram levar tudo na brincadeira e nunca encararam um trabalho ou um relacionamento com o devido respeito. Como sempre viram a vida como um jogo chegam em certo momento que quebram a cara e se questionam a razão de estarem cercadas de pessoas, mas isoladas emocionalmente. Como são muito orientados pelo prazer a terapia se torna uma dança delicada de confronto e afago para poder apertar certos condicionamentos destrutivos e afrouxar outros que facilitem o vínculo, a estabilidade e a organização pessoal.
E existem aqueles que apesar de não serem disformes ou endurecidos estão dispostos a evoluir para além das formas. Esse é o tipo raro de pessoa que busca a terapia não por necessidade, mas por sabedoria, já que quer um olhar alternativo ao seu na escalada da evolução. Ela já não está mais quebrando as pedras do dia-a-dia, pois tem uma família estruturada, um relacionamento saudável e um trabalho realizador. Ela sofre talvez de certo desencaixe diante dos apelos constantes que a sociedade impõe.
Portanto, para acessar esses vários espaços mentais eu não posso ser o mesmo a cada 50 minutos que passam. E nem sou o mesmo terapeuta para todos e a cada nova sessão.
A escultura que vejo aparecer diante de mim refletem na minha lapidação pessoal ao passo que a escultura que me torno também inspira a alma nascente que se revela ao mundo.
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