Mulheres acuadas

Ele está andando na rua por volta das 23h, anda com sua bermuda preferida e sente medo pelo que encontrará pela frente. Pensa que pode ser assediado ou na pior das hipóteses abordado por uma mulher tarada na rua. E se ela tentar estuprá-lo? Só ao pensar ele treme de medo e acelera o passo.

Essa cena imaginária nem passa pela cabeça da maioria dos homens. Simplesmente porque o mundo que construímos não imprime esse tipo de medo subliminar e sempre presente no cotidiano. Já não podemos falar o mesmo das mulheres.

machismo

Muitos homens não entendem porque as mulheres tem uma tendência temerosa e até reativa frente o mundo. Imagine que você passou a vida inteira sutilmente acuada ao receber ordens do gênero: “feche as pernas”, “cuidado com o que fala”, “se alguém mexer com você corra”, “nunca se meta em confusão”, “os meninos não prestam” e assim por diante.

Para comprovar essa realidade acabavam vendo amiguinhas sendo acuados no recreio, ou gordinhas sendo alvo de vexação e até a menina top passando por certos assédios desrespeitosos de meninos despeitados por tomar um fora.

Quando cresceram não foi diferente, as notícias de crimes domésticos sempre acontece em cima de uma mulher que é agredida, perseguida e violentada por seu “companheiro”.

Essa ideia de que mulher tem medo a toa não é real. Elas tem medo real, afinal não tem o direito de dirigir, andar na rua ou transitar por lugares isolados sem aquele pavor de encontrar um homem no caminho.

O psiquismo de uma pessoa que sempre foi modelado para fugir, se proteger e ver a realidade como ameaçadora cria uma certa paranóia defensiva. Na prática, é como se as mulheres sempre tivessem que se defender e impor para não serem acuadas pelos seus parceiros.

Muitas mães fazem o desfavor de educar seus filhos como pequenos machinhos que tudo podem sem nenhuma represália. “Guarda suas cabras que meu bode está solto” e tudo bem, é o que pensam as mães orgulhosas de verem seus filhos como pequenos “pegadores”.

Quando vejo uma mulher que não ri de uma piada machista ou outra que repreende o namorado por algum tipo de ameaça em tom de brincadeira eu consigo entender a razão. De modo geral os homens não entendem por que são tão defensivas ao ver uma mulher esbravejar quando eles as seguram pelo cabelo numa balada. “Se elas estão na balada deveriam deixar tudo rolar”, alguns deles pensam. Não meu caro, não deveriam, elas tem soberania sobre suas vontades.

É tão natural para os homens se intrometerem na vida das mulheres e dizerem que elas deveriam se preocupar menos, se estressar menos, dramatizar menos, se desligarem dos imperativos da moda, mas se aborrecem se recebem o mínimo de conselho de uma mulher. “Metida a besta”, pensam, “deveriam ficar na delas”.

Quando uma reação feminista acontece numa conversa por conta de algum comentário do tipo “coisa de mulherzinha” os homens se sentem injustiçados por um tipo de perda de direitos. Se algum comentário do tamanico do pinto de um homem surge na conversa a reação hostil deles soa totalmente cabível, afinal, eles se sentem donos dos seus direitos.

Concordo que essa reatividade feminina e até uma falta de senso de humor pode fazê-las um pouco menos naturais do que gostariam. De fato elas mereceriam ficar muito a vontade com qualquer coisa que as circundassem. Mas num mundo onde uma indiana é estuprada por vários homens num onibus e eles ficam livres e que o espancamento de uma mulher é visto como briga de casal comum, ainda não é possível que elas durmam no ponto relaxadas.

Eu quero que minha esposa, minha mãe, minha irmã, minhas amigas e minha filha (se eu tiver) andem em paz com a roupa que quiserem, no horário que quiserem e fazendo o que lhes aprazer fazer. Confesso que tenho vergonha de ainda sustentar um mundo em que as mulheres que amo e milhões que nunca virei a conhecer não possam sentir a mesma tranquilidade que eu e outros homens sentimos na maior parte do tempo.

About the author

Sonhador nato, psicólogo provocador, apaixonado convicto, escritor de "Como se libertar do ex" e empresário. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas medita, faz dança de salão e lava pratos.

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