Japoneses, seus descendentes e costumes

*Por Mirian Vaccari

“Amanhã vou ao Monte Fuji. ”
Nunca pensei que essa frase aparentemente sem grandes significados poderia ser a causadora de uma crise existencial.

japao

Sou neta de avós japoneses, uma avó polonesa e um avô italiano. Estudei japonês dos 10 aos 15 anos em uma escola típica japonesa e, por ser a única mestiça, era tratada diferente. Muitas vezes era ajudada pelos amigos que falavam japonês em casa e notavam que eu não sabia as palavras mais básicas e às vezes até com uma pontinha de inveja por eu ter características como a tal dobrinha no olho cuja existência eu nunca tinha notado.

Na escola, ao contrário, eu era a “japinha” e me lembro de um coleguinha me perguntando se eu enxergava igual a eles. Não me lembro o que respondi, mas até hoje fico pensando como eu poderia ter a resposta dele se sempre tive o olho um pouco puxado.

Sempre acreditei na expressão que afirma que para bom entendedor até meia palavra basta. Acreditava que até um gesto ou um olhar, bastassem. Porém, ao voltar a estudar japonês passados 18 anos, comecei a rever meus conceitos.

“Amanhã vou ao Monte Fuji” era como acabava a lição de japonês. A minha cara de ué fez a professora entender que eu não tinha me ligado que aquilo era um convite. E eu tinha certeza que estava faltando um pedaço do xerox, mas confirmei a informação na tradução para o inglês: “I will visit Mount Fuji tomorrow. (Will you come with me?)”.
Parênteses importantíssimo, queria dizer que o que poderia ser uma simples conversa de elevador era um convite.

Eu: Nossa! E se eu realmente tivesse percebido que era um convite e quisesse ir, responderia o quê? Eu também (vou ao Monte Fuji)?
Professora: Nãoooo, Mirian san, você não pode ser oferecida! Você diz algo do tipo: Que legal!
Eu: e se não quiser?
Professora: vc pode dizer amanhã estou um pouco…
Eu: Ocupada?
Professora: Não, você diz só isso, aí a pessoa já percebe que você não quer ir e já interrompe a conversa. Se for o contrário também, se a pessoa disser estou um pouco… você já diz “ah, tá bom então”. Não pode ficar pressionando a pessoa para dar mais informação.
Eu: Putz, e se eu quiser mas não puder? Não vou querer que a pessoa ache que eu nunca vou querer ir ao Monte Fuji ou a qualquer outro lugar com ela na vida.
Professora: Ah, aí você diz que amanhã você não pode, mas que a pessoa pode te convidar na semana que vem.

Saí da aula pensando em como ser japonês era ser sutil e que, por ser brasileira, ia ser muito difícil sobreviver no Japão, não pelo idioma, mas pelas sutilezas que eu teria que entender. Ouvi, então, uma vendedora de artigos japoneses dizendo que japonês brasileiro era tudo paraguaio e fiquei pensando na quantidade de conceitos, preconceitos e “misconceitos” estavam embutidos nessa frase.

Sinto que existe uma linha imaginária que separa os orientais (japoneses) dos ocidentais (brasileiros). Na realidade, todo mundo é brasileiro, mas qualquer oriental é chamado de japonês em São Paulo e chinês no Rio. Mais estranho mesmo é estar no meio dessa linha, porque você acaba nem sendo nem uma coisa nem outra.

Os japoneses se referem aos mestiços como Hafu (do inglês half, metade). Não é legal ser metade, para ser verdadeiro, é preciso ser inteiro já dizia Fernando Pessoa. O que me conforta é a história da senhorinha japonesa que disse para uma amiga mestiça que ela não deveria se considerar metade, mas o dobro, o dobro de culturas e ascendências.

Metade ou o dobro, entendi que o meu grau de “japonesice” é nulo para os japoneses, baixo para as professoras de japonês e é alto para os não japoneses. Baixo o suficiente para não entender o convite ao Monte Fuji ou gesticular demais ao falar e alto o suficiente por não me fazer ser entendida.

Muitas pessoas já reclamaram comigo por dizer que eu não falo tudo o que penso e concluí que isso deve ter vindo da minha metade japonesa. As pessoas entendem uma frase minha como eu entendo os japoneses: somente metade quando a frase significa o dobro. Assim como disse a senhorinha japonesa.

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Captura de Tela 2013-02-08 às 10.25.09* Mirian Vaccari: Arquiteta, sonha com um mundo mais justo e sustentável. Adora estudar idiomas e viajar. Possui um escritório em São Paulo atuando nas áreas de projetos, sustentabilidade e design.
Desde 2002, pesquisa o uso do papelão como material de construção e irá para o Japão para estudar as contruções em papelão e poder aplicá-las no Brasil, além de tentar entender mais a cultura de seus antepassados. Página do Facebook [clique aqui]

 

 

About the author

Sonhador nato, psicólogo provocador, apaixonado convicto, escritor de "Como se libertar do ex" e empresário. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas medita, faz dança de salão e lava pratos.

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