Carta aberta para as pessoas recém-separadas
São Paulo, 24 de setembro de 2012
Querida pessoa recém separada
Não importa se você entrou com o pé ou com a bunda leia com atenção essas palavras.
Segundo algumas pesquisas a experiência de separação só seria emocionalmente mais dolorosa que uma morte de um ente querido. Isso explica aquela sensação parecida com um pós-velório em que você sai completamente desnorteado e exausto de chorar.
O divórcio/separação/distanciamento amoroso é uma vivência muito única na vida de uma pessoa. É uma quebra de expectativas que coloca em xeque inclusive a nossa capacidade de viver. Sentimos que estamos existencialmente estragados e sem jeito. O fracasso de múltiplas tentativas de reerguer um gigante falido nos exauriram todas as forças físicas, psicológicas, financeiras e já não conseguimos caminhar adequadamente. Estamos cambaleantes na vida e extremamente carentes de apoio, acolhimento e proteção.
A sensação de deixar a casa física que por tantos anos chamou de sua tem uma correlação psicológica semelhante, perdemos o rumo de casa, tudo é inóspito, árido e sem cor.
A pessoa recém-separada é como um mendigo com chapéu na mão, necessitada de qualquer esmola e nesse momento a única coisa bem vinda são pessoas e situações que tenham uma intenção positiva., portanto evite pessoas tóxicas e que exijam demais de você. Retome os amigos gostosinhos, aqueles que tem coração de pelúcia no peito e não são ácidos e sugadores. Lembre-se, qualquer sobresforço é agressivo e desnecessário. É como um doente combalido que precisa de um tempo até reerguer todas as forças, pois ainda precisa de cuidados.
Aquela sensação de organização mental dá lugar a um caos sem fim, como se uma música muito alta estourasse nossos tímpanos. A única coisa que queremos é que o som abaixe para retomar a sanidade. Infelizmente muitas pessoas acham que precisam de outra pessoa para abaixar o som. A carência faz com que a pessoa recém-separada se torne frágil e vulnerável e como ela estava enfurnada num relacionamento provavelmente não tem uma rede sólida de apoio que não a família. A família costuma ficar alimentando reações que aumentam a aflição como alguém que saiu do velório e alguém diz “eu sei como você está se sentindo e vai ficar tudo bem”. O sujeito olha desconcertado para aquele comentário desnecessário e não responde por falta de forças, pois a vontade seria dar um soco na cara do consolador incansável. Luto é luto.
A separação é desse tipo de luto que dói a ponto de que um cafuné é interpretado da maneira mais poderosamente revigorante. Um carinho de um amigo soa como um afago diferenciado que pode ser interpretado como algo sentimental.
A probabilidade da pessoa recém-separada de se apaixonar pelo padeiro é alta. Até o pão de cada dia soa interessante num clima emocional de tempo fechado.
Isso quer dizer que a chance de um relacionamento que começa imediatamente depois ou concomitante a uma separação tem grandes chances de ser fruto de desespero do que amor real.
Alguns vão rebater esses argumentos dizendo que a história deles foi diferente e blábláblá. O fato é que alguém que acabou de sair de um velório simbólico não está com plenas capacidades mentais de amar o próximo. Até o coveiro fica charmoso nessa hora.
Os impulsos de generosidade de libido que são tão importantes para a sustentar a qualidade de uma relação estão enfraquecidos. E quando eles surgem é muito mais um surto de resquícios de hábito do que genuínos.
O ponto é que somos bem teimosos e na maioria não respeitamos os sinais óbvios dessa fase difícil e logo nos atiramos em histórias que parecem ser a resposta para nossa aflição. Na maior parte das vezes não é.
A pessoa que se presta a se relacionar com alguém que está recém-separado corre um risco altíssimo de ser confundida com uma miragem do passado. Ela se vale de uma vulnerabilidade de momento e se coloca como enfermeira emocional do enlutado, sem perceber entra num jogo vencido. Do outro lado a pessoa fragilizada aceita qualquer ajuda e expressão de amor e cede imaginando que aquilo vá tornar os dias menos amargos. Mas no fundo sabe que tem muito pouco a oferecer, pois ainda está digerindo uma série de mágoas, decepções e sentimentos de impotência. Ainda não conseguiu fazer uma reavaliação da própria vida com imparcialidade e já tenta sair de uma ressaca enchendo a cara de novo com o amor fresquinho de alguém.
Não é justo com ninguém, pois a pessoa nova que chega vai ter que engolir comparações desnecessárias e lidar com sequelas sem sentido. Do lado de fora veremos o sorriso complacente e generoso da pessoa esperançosa aguardando que os piores momentos passem. Começa a entrar em histórias que não a pertencem na tentativa de ajudar na cura emocional do outro, mas tudo em vão. Aquela hora precisa é tempo de saudade e solidão.
A solidão pós-separação é um ritual muito pouco respeitado, em especial pelos homens que tem uma dificuldade em lidar com o buraco e o fracasso de sua validação masculina. Imediatamente após (ou até antes) do divórcio já costumam colocar uma nova dama em sua cama para apaziguar uma dor silenciosa que corroi seus dias ruins. As mulheres que educadas a experimentar a sua dor com honestidade costumam respeitar mais o seu tempo de recuperação (nem todas). De modo geral é possível reconhecer a pessoa recém-separada pelo olhar aparentemente vivo e elétrico, mas no fundo vazio e prestes a explodir em raiva e choro.
Óbvio que não sou um idealista que acredita que todas as relações deveriam iniciar da maneira mais higiênica do mundo com todas as pendências plenamente bem resolvidas. O que estou reforçando é que engatar uma relacionamento no outro interminavelmente costuma ser uma estratégia de pessoas desesperadas. Alguns conseguem um tempo de cicatrização mais rápida, mas a maioria apenas transfere o saldo devedor de uma conta para a outra.
As dinâmicas patológicas não foram evidenciadas, a possibilidade da pessoa simplesmente culpar o ex é alta e conflito que deveria ser olhado de perto se perde no meio de declarações precipitadas de amor. O problema real continua ali aguardando a ressurreição e em momento propício vem à tona e forma de um novo ciclo de dor. A pessoa que aguardou pacientemente o outro se recuperar do luto começa a reivindicar seu trono e aí a coisa vai complicando a tal ponto que o inferno volta a se instaurar.
Eu que já experimentei muito dessas tentativas desastrosas de se reerguer mesmo sem nenhuma condição para isso não posso oferecer uma fórmula, seria muita pretensão, afinal aos trancos e barrancos vamos nos florescendo de novo.
Mas se eu pudesse dizer alguma coisa para alguém que está recém-separado seria, siga em frente, mas respeite suas pernas cansadas e seu coração exausto.
Desejo toda a sorte do mundo nesse novo ciclo de autodescoberta.
Do psicólogo Frederico Mattos
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