O ANTI-dia dos pais
Sempre me pergunto porque o dia dos pais é uma data menos aquecida comercialmente do que a das mães. O comércio é um dos indicativos do quão valorizado e estimado é o celebrado da data comemorativa.
Eu tenho um palpite: o dia dos pais é uma data ressentida.
A mães são vendidas como anjos de candura que vieram à Terra para amar os seus filhos. Delas não se pode questionar nada à pretexto de ser visto como louco, ingrato ou maldoso, mãe é mais sagrada que religião e futebol. Acho que é pelo mesmo motivo que não se pode falar das mulheres em geral, sempre vistas como vítimas de homens vis e sem caráter.
Cuidado, mulheres e mães são seres humanos passíveis de enganos e gestos egocêntricos como qualquer pessoa. Maternidade não cura problemas de personalidade e caráter. [veja mais] O fato de carregar no ventre a criança não torna aquela mulher necessariamente especial em relação ao pai.
Acho que é uma data ressentida por que os homens se mostram mais limitados emocionalmente para administrar sentimentos e relacionamentos íntimos. Muitos fogem, se afastam, distanciam ou nem dão as caras.
A quantidade de filhos que não tem para quem dar o presente no dia de hoje é muito maior do que no dia das mães. As mães, como carregaram o filho na barriga, não podem simplesmente sair de fininho e fingir que não estavam grávidas mesmo que muitas nunca admitam essa vontade. Os pais podem desaparecer e nunca mais voltar.
Mas não é só por imaturidade dos pais que vejo relacionamentos bem problemáticos entre pais e filhos. Muitas mães ressentidas usam seu filtro emocional para estabelecer que tipo de comunicação deveria haver entre o pai e o filho.
“Quando seu pai chegar você vai ver”, “seu pai? Não tá nem aí para você!”, “nós sabemos que seu pai não presta” ou “eu tenho raiva de você, está parecendo com seu pai”.
Se analisarmos essas frases podemos perceber que esse pai que a mãe se refere tem muito mais a ver com o parceiro amoroso que frustrou suas expectativas (muitas vezes fantasiosas) do que o pai (em seu papel com o filho) propriamente dito.
Vejo o tempo todo algumas mães que sequestraram emocionalmente seus filhos só para elas. Impedem o filho sentimentalmente de acessarem e admirarem seus pais apenas por conta de suas desventuras conjugais. O filho olha para a mãe – que aparentemente foi todo amor e abnegação -olha para o pai e sente vergonha de amá-lo e até se aproximar, pois sabe (ainda que não seja declarado) que isso iria ferir a sensibilidade materna. É como o filho adotivo que descobre quem são os pais biológicos e sente culpa por querer conhecê-los já que se sente em dívida de gratidão (já que muitos pais adoram injetar culpa no meio da gratidão).
As mães que lerem esse texto nunca irão admitir que contaminaram o olhar dos filhos contra o pai (sim, contra), alegarão que só deixaram que eles vissem “o quão imprestável aquele homem é”.
Imprestável ou não, desaparecido ou não, sem caráter ou não, ele é tão pai quanto a mãe é mãe.
Ainda que se adotem a filosofia bem limitada de que pai é quem cria, lembre-se que existe no seu filho, goste ou não, uma semente emocional (que não consigo explicar só pela genética) que sente um impulso inconsciente em se conectar ao pai. É como se uma chama em sua alma apontasse para o pai buscando ser incluído naquele sistema.
A mulher que renega seu pai (por influência da mãe) pode ter sérios problemas em encontrar em confiar seus sentimentos a um parceiro amoroso por temer passar pelo que a mãe passou.
O homem adulto desconectado do seu pai pode padecer de uma estrutura emocional frágil que o impele a buscar refúgio e segurança em outros lugares como uma tentativa desenfreada (e inconsciente) de achar um abrigo masculino. Ele nunca se sentirá emocionalmente seguro de si, hesitando a cada decisão. Ou pode adotar uma postura anti-regras (diametralmente oposta e tão frágil quanto a anterior) como se tentasse incorporar o fragmento psicológico do pai que foi renegado. Sua subversão é a expressão inconsciente de “eu amo odiar regras” que poderia ser traduzido por “amo odiar meu pai, pois ainda que odiando estou conectado à ele”.
Aqueles que tentam se reconciliar com seus pais costumam ir contaminados e esperando só uma confirmação para a hipótese catastrófica da mãe. Qualquer deslize (que qualquer pai ou mãe poderia cometer) já é motivo para ir embora falando: “eu sabia que meu pai era assim mesmo, mamãe já tinha me avisado que eu iria me decepcionar”.
Portanto, os filhos se ressentem dos pais muitas vezes por “respeito” ao amargor amoroso da mãe.
Dona mãe, isso não é uma tentativa de apagar algum mal ou gesto de imaturidade que foi feito pelo seu ex-amor à você, mas só um espaço para seu filho se relacionar com o pai. Maturidade é saber separar a sua mágoa da história deles.
Como mudar isso afinal? As mães precisam olhar para si mesmas e o amor que sentem pelo filho e reconhecer do fundo do coração que aquele é o pai, goste ela ou não disso, e depois permitir que o filho se aproxime e assuma o pai que tem, sem impor restrições ou condicionais. Toda mãe que ama o filho de verdade deveria ser capaz de fazer isso por ele.
Bandido, falsário, amante, traidor, foragido ou canalha? Talvez sim, mas provavelmente na experiência da esposa (ou quase). Para o seu filho ele é o pai (e único possível) e só a ele cabe decidir que adjetivo será associado ao seu progenitor.
Feliz dia dos pais! 🙂
Será que poderíamos admirar o pai do garoto que Chico Buarque canta na linda canção “Minha história”? Sem os olhos da mãe ele poderia ser visto como um desbravador dos 7 mares…
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