O poder das coisas simples
*Por Frederico Mattos
Uma galáxia e um átomo tem mais semelhanças do que imaginamos.
O aperto de mão e o amor também.
Ignoramos que uma grande corporação ou um casamento bem sucedido de anos são compostos de inúmeras ações simples.
Um gesto simples como telefonar, lavar as mãos ou ser feliz incluem operações mentais semelhantes.
É estanho notar quando as pessoas me pedem um conselho sobre algo complexo e eu lanço uma ideia aparentemente simples do tipo “aprenda a esperar numa fila”. A pessoa se ofende como se esperasse uma frase de impacto ou um método inovador que resolvesse todos os problemas no universo.
Acho que a solução de muitos problemas nasce de uma pequena mudança de postura em seu cotidiano, que é o espaço que ela passa a maior parte do tempo. Esse é o melhor laboratório.
Costumamos não conectar o ato de fazer compras no supermercado com o orgasmo. Para que uma excelente refeição aconteça precisamos saber escolher os ingredientes, decidir entre os produtos mais proveitosos, mobilizar os alimentos da embalagem para a panela, refinar as ações, experimentar os resultados parciais, embelezar a mesa com elegância, degustar o prato saboroso e saciar nosso desejo naqueles próximos minutos seguintes sem ficar pensando . No sexo é igual e apesar dos ingredientes serem outros precisamos ESCOLHER, DECIDIR, MOBILIZAR, REFINAR, EXPERIMENTAR, EMBELEZAR, DEGUSTAR e SACIAR o desejo. Estamos o tempo todo treinando operações básicas que serão postas à prova nos momentos complexos. O preguiçoso só pensa na complexidade quando ela chega, o mestre se antevê e já sabe que para chegar num destino glorioso precisará muito mais do que um passo após o outro. O tolo nem sabe pôr pé ante pé.
Um faixa preta em qualquer arte marcial treina à exaustão socos e chutes simples por um único motivo, são eles que compõe os golpes mais elaborados. Ele não quer desperdiçar uma fração de segundos numa operação que deveria ser instintiva.
A mente interpreta atitudes corporais como similares psicológicos. O monge budista poderia meditar pulando ou cantando ópera, mas a postura imóvel e ereta predispõe a sua mente à uma quietude interna.
Quando um deprimido grave pode levantar a sua cabeça para olhar além do chão sua mente percebe isso de um modo específico. Se ele pudesse ser levado ao topo de uma montanha (de preferência escalando ela) sua mente seria lançada ao panorama que agora vislumbra de imensidão no mundo.
Realizar uma trilha no meio do mato, obriga sua mente a desenvolver criatividade, resiliência, abertura ao novo mesmo que o caminhante não queira.
Para superar o orgulho é necessário uma série de exercícios simples de pequenas quebras de expectativas, auto-imagem grandiosa e prepotência, por essa razão os mestres de grandes tradições incitam os aprendizes a fazerem pequenas tarefas domésticas e prover sua própria sobrevivência.
Um adulto que poderia se sustentar (ou fazer o esforço para isso) jamais deveria continuar morando na casa dos pais. Não por orgulho, mas para exercitar uma mente livre, independente e sem prestação de contas.
A estrutura da mente que se mima com bombons é a mesma que se frustra indignada quando vê sua fantasia de perfeição frustrada na realidade cheia de contratempos inevitáveis.Num mundo em que pessoas se enfurecem com imprevistos, exigem frutas sem caroço e amor sem risco não me espanta que pais agridam filhos, filhos assassinem pais e mulheres esquartejem maridos.
A mente que aperta parafusos é a mesma que lança um foguete no espaço.
Se deseja usufruir de uma vida feliz e plena, não deveria subestimar o ato de arrumar o seu quarto, dormir relaxado e sorrir para um estranho. Está além do óbvio, para criar a mente desperta que o Buda experimentou.
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* Frederico Mattos: Sonhador nato, psicólogo provocador, autor do livro “Mães que amam demais”. Adora contar e ouvir histórias de vida. Nas demais horas cultiva um bonsai, lava pratos, oferece treinamentos de maturidade emocional no Treino Sobre a Vida e se aconchega nos braços do seu amor, Juliana. No twitter é @fredmattos.
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