“Eu odeio Jesus!”
“Eu odeio Jesus”, me falou uma jovem paciente cheia de rebeldia. Diante de minha curiosidade habitual ela continuou: “minha mãe me educou a acreditar que as pessoas eram boas, a verdade é o melhor caminho para se conseguir o que quer e que eu deveria ser gentil em qualquer circunstância… Tudo em nome de Jesus, honestamente não sei se acredito nesse fdp de barba que ficou cagando regras para um bando de genten miserável e depois foi crucificado agindo como um covarde! E o pior tentou convencer todo mundo que se é forte sendo fraco e passivo.”
Diante daquele comentário carregado de sentimento só pude silenciar e chegar numa conclusão simples, mas não tão óbvia, que quando falamos de assuntos polêmicos como sexo, política, futebol e religião no fundo estamos falando muito pouco deles de fato.
O Jesus contra o qual essa moça se debatia não tinha nada a ver com o líder espiritual, o Jesus histórico ou o ícone de várias religiões.
Penso que a relação que as pessoas tem com os deuses, santos, anjos, espíritos e religiões esbarra em impedimentos psicológicos que dizem mais respeito a dramas familiares do que qualquer coisa.
Essas imagens santas são telas em branco onde se pode projetar o que queremos, seja algo bom ou ruim. E nem estou entrando no mérito espiritual se existem ou não, mas na relação emocional que as pessoas estabelecem com as divindades.
Vejo pessoas extremamentes xiitas em matéria de religiões ou contra elas e questiono se estão realmente falando sobre crer ou não crer e no que crer. Aquelas que conheço um pouco do histórico pessoal e familiar consigo ouvir nitidamente falarem de seus pais no pano de fundo sem o saberem. No caso em questão ela estava inconscientemente falando de seu pai e de como se envergonhava da sua postura covarde. Ela o condenou por ter deixado a sua mãe sair de casa com seu amante quando ela tinha 10 anos.
Algumas frases em especial me chamam atenção no discurso (anti-)religioso padrão.
“O meu Deus tem a verdade!” realmente está falando de algo sublime ou está tentando se impor sobre a outra pessoa e se sentir mais importante ou protegida? Disputar onipotências divinas levaria essa pessoa onde num relacionamento de casal? Será que está tentando arrastar o marido para o seu time espiritual ou no fundo ela quer ser amada de novo por ele como no início do relacionamento? Será que é Deus que está sendo posto em questão ou quem manda mais na relação e tem mais “autoridade moral” que o outro?
“Deus não existe!”, de quem ou o que ela está realmente falando? Do amor que não acredita mais existir porque foi deixada por alguém que amava? Do pai que negligenciou cuidados? Da mãe que foi fria no momento que mais precisou?
“Jesus está me pondo à prova diante dessa aflição!”, será que está? Ou será que sua dificuldade de aceitar que as coisas mudam o está impedindo de seguir adiante? O que você considera aprendizado talvez não seja um álibi para se manter acomodado em sua passividade?
“Minha religião é a única que tem validade perante o Senhor!”. Provavelmente a pessoa que disse isso está totalmente identificada com essa religião e se sente uma autoridade que esbraveja sua forma de ver o mundo (cheio de regras) usando a religião como escudo para não ser questionada. É um arrogante espiritual, mas poderia estar falando de qualquer assunto como política, time de futebol. Adotou a religião como sua arma para se posicionar com soberba diante dos outros e criar diferenças entre ele e o mundo.
Eu adoro religiões e realmente não entro em debates com as pessoas, mas não porque eu não consiga discutir ou queira, mas porque eu sinto que não é de amor, paz, humildade e compaixão que se discute.
Já presenciei coisas belíssimas em muitas religiões diferentes, sou um homem de fé e acredito na vida e na capacidade humana de fazer verdadeiros milagres diante de impasses até então inviáveis.
Mas o fato é que sinto compaixão quando vejo pessoas se esconderem atrás da religião para não enfrentar os seus medos, eu já fiz isso muitas vezes e sei como é terrível passar muito tempo evitando encontrar a si mesmo. Sei que o calabouço de fanatismo que nos enfiamos é uma tentativa de colocar ordem no caos de nossa vida emocional e encontrar algum conforto verdadeiro. Mas se refugiar ali por tempo demais e querer impor Sua Verdade sobre os outros acho desrespeitoso e agressivo.
Quando alguém tenta me convencer(ter) de seu deus ou religião eu sorrio por dentro e sei que no fundo ela está dizendo para mim: “gostaria tanto que você me amasse dentro de minhas condições só para eu não me sentir ameaçado!”
O mesmo faço com time de futebol ou partido político, quanto mais querem me converter para isso ou aquilo mais noto o quão frágil é a película que protege o coração dessa a pessoa a tal ponto que ela não consegue pedir amor sem apelar para grandes forças transpessoais.
Ao se aproximar dos momentos finais daquela sessão tão carregada de revolta e de dor eu a olhei nos olhos enternecidamente e apenas disse: “se você conversasse com sua mãe e colocasse sua cabeça cansada no colo dela talvez haveria alguma chance desse tal barbudo espiritual deixar você em paz, mas enquanto continuar brigando com seu desejo de ver o seu pai ser mais honesto e corajoso consigo mesmo ele vai perseguir você por mais tempo do que gostaria.”
Com lágrimas nos olhos e tentando resistir ao choro implacável ela disse: “realmente meu barato não tem nada a ver com Jesus, eu só queria minha mãe de volta e que meu pai parasse de crucificá-la por ter se apaixonado por outro homem, isso me faz mal, afinal ela é minha mãe…”
Eu finalizei: “sim, no seu coração de criança o que importa é o amor que sente pelos seus pais. Até Jesus teve problemas com seus pais para saber de quem era filho de verdade, deixe-o em paz e pense nos seus pais.”
Demos uma boa gargalhada e muita coisa foi dita sem que disséssemos mais nada.
*Fui autorizado a expor esse caso por ela preservando sua identidade e detalhes da história.
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