“Ele me faz mal!” – drama de Relacionamentos Tóxicos
– Preciso da sua ajuda, Dr. Fred.– O que posso fazer?
– Tenho um relacionamento há 3 anos e meio e estou vindo aqui em segredo, porque meu namorado age de um jeito estranho comigo.
– Explique melhor…
– Ele me trata de um jeito que me causa medo, fico angustiada, nào consigo contar para as outras pessoas o que ele faz. Tenho vergonha, mas ele me chantageia, manipula, me afasta das minhas amigas e ameaça que vai me deixar e fazer minha caveira para todo mundo. No começo ele era ótimo e me tratava bem, mas com o tempo se mostrou um carrasco. Todos acham ele ótimo, algumas pessoas mais próximas desconfiam, mas ele engana todo mundo e me trata mal.
– O que faz você permanecer nessa relação?
– Não sei explicar, só não consigo sair, estou desesperada. Se ele souber que estou fazendo terapia é capaz dele me matar, se souber que é com um homem, então…
Essa situação hipotética revela um mal-estar silencioso em muitos relacionamentos, é o que chamo de assédio moral.
A pessoa se torna refém de um relacionamento tóxico e perigoso e com um agravante, se torna defensora do algoz, bem à moda da chamada Síndrome de Estocolmo.
Nessa síndrome a vítima cria um mecanismo de proteção psicológica que a defende da sensação aterrorizante de ser dominada por uma pessoa que lhe faça mal.
O resultado nesse caso é um relacionamento cheio de acusação, culpa, violência emocional (as vezes física), e idas e vindas recheadas de insanidades.
Alguns sinais que podem ajudar você a perceber se está num relacionamento desses:
- Humilhação verbal que pode se mostrar em críticas insistentes e exposição pública ou tiração de sarro (aparentemente ingênua).
- Ameaças de término.
- Agressão física justificada por álcool, nervosismo, TPM ou qualquer “razão justa”.
- Traição sistemática seguidas de desculpas diversas ou uma fidelidade rígida usada como arma de barganha.
- Cobranças e perseguições paranóicas cheias de ciúme de qualquer pessoa que seja.
- Bate-bocas frequentes.
- Desqualificação constante por parte do dominador de qualquer empreendimento ou tentativa da vítima criar independência de algum tipo a tal ponto que a vítima concorda e se autodeprecia.
- Desprezo de atenção, carinho e afeto como forma de retaliação caso o dominador se sinta contrariado.
- Explosões que ocorrem apenas na vida particular, pois na vida social o dominador é extremamente glacial em suas manifestações fazendo a vítima se passar por louca ou descontrolada.
- Possessividade que inclui afastar a pessoa dos amigos e familiares sem que a outra se dê conta disso.
- Tentativas sucessivas de torcer a realidade da vítima a tal ponto que ela fique desfigurada quanto à sua personalidade, hábitos e gostos pessoais.
- Numa discussão a vítima nunca sabe exatamente pelo o que está discutindo, apenas se sente pressionada a concordar com o dominador.
- Jogos de poder como chantagens, disputas, comparações que desmereçam a vítima e provocações.
- Ajuda insistente e sistemática do dominador para que a vítima fique totalmente dependente emocional, intelectual, social e existencialmente.
- Perda de vivacidade, brilho nos olhos e contentamento da vítima que é notado pelas pessoas à sua volta.
- Brigas da vítima com seus familiares pelo fato destes tentarem protegê-la do agressor.
- Vida social cada vez mais restrita (inclusive a restrição de redes sociais na internet)
- Castração quanto a maneiras de se vestir, falar e se comportar sob a alegação de excesso de vulgaridade.
- Convívio quase exclusivo da vítima com o dominador.
- Sentimento da vítima de que está se sacrificando por algo maior, ainda que não consiga ter clareza do que é.
- O dominador sempre tenta sair pela tangente quando é confrontado pela vítima ou outra pessoa.
- O dominador cria um clima de psicoterror e ameaças sutis que não são facilmente detectáveis pela vítima e seus familiares.
- Sentimento da vítima quase constante de medo e certa apreensão em momentos que vai falar com amigos ou atender telefonemas.
- Se for confrontado drasticamente o dominador bate em retirada radicalmente só para fazer a vítima se sentir carente e desesperada e recebê-lo passivamente depois que estiver arrependida.
- A vítima constantemente se sente confusa e incapaz de queixar-se, mesmo que se perceba injustiçada.
- Algumas vezes a vítima apresenta sintomas físicos de descontrole, suor nas mãos, palpitações, dores de cabeça, alterações gastrointestinais, quedas ou aumento de pressão sanguínea e até desmaios.
Quando a vítima descobre
Quando a vítima começa a perceber o cenário que está envolvida costuma ser em estágios avançados da dominação. O sentimento de vergonha e culpa por ter se permitido submeter por tanto tempo é arrasadora. A ideia de que terá que reparar os estragos que fez por se afastar de amigos, familiares e trabalho pode causar um grande estresse que possa inibir a saída dessa condição deplorável.
Mas porque essa pessoa se tornou vítima?
Porque estava à mão do dominador bastando para isso ser sucetível aos seus interesses de tornar uma pessoa seu objeto de manipulação. Ele atinge principalmente pessoas que costumam ser autocríticas e rígidas consigo mesmas.
O que alimenta essa relação é um possível desejo secreto de mudar a pessoa dominadora, mas na impossível tarefa de ressucitar os mortos ela começa a questionar a sua competência.
Acostumadas a fazer tudo pelos outros essas pessoas se tornam alvos fáceis de pessoas exploradoras. As vezes possuem uma personalidade pré-depressiva, hesitante e cheias de escrúpulos que o dominador utilizará para dominar mais e mais.
Pelo fato de serem crédulas e até ingênuas as vítimas costumam sempre justificar as atitudes do dominador de modo a reduzir o impacto moral de suas atitudes destrutivas.
Solução
A saída desse tipo de situação é tão complexa que precisa do apoio de vários lados.
A própria vítima precisa ser tomada de coragem para revelar o que está acontecendo com ela para familiares e amigos. Em seguida se disponibilizar que os outros assumam o controle do que fazer. Os familiares precisam acionar se for o caso dispositivos legais para proteger a vítima, além disso ajuda psicológica e em alguns casos psiquiátrica.
Gradualmente a vítima precisa se desligar da influência do agressor, expandindo seu círculo de contatos, tentando sempre estar em grupo e pouco a pouco expondo as sandices do dominador. É interessante deixar que o agressor perca o controle para que a vítima se apoie nisso para começar a questionar a autoridade irrestrita dele.
Agir firmemente sem dar ouvidos às mesmas tentativas de persuação é sempre prudente, afinal, o agressor ao perceber que perde terreno irá apelar para qualquer estratégia, inclusive agredir a vítima.
O terapeuta nesses casos, ao contrário da maioria dos pacientes em que instiga a responsabilidade de seus atos, precisa instigar a força no paciente mesmo que tenha que sustentar a acusação ao agressor em apoio à saída do “cativeiro” emocional.
O mais importante em essência é que se acredite na solução desses casos, nem sempre de forma pacífica, para que a vítima possa definitivamente voltar a se sentir livre.
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