A Grande Maturidade de uma Pessoa
Acabei de ver pela centésima vez o filme “Os últimos passos de um homem” com as interpretações magistrais de Sean Penn e de Susan Sarandon. Esse filme sempre me toca. Acho que é um filme que retrata de maneira brilhante o verdadeiro confronto com o lado obscuro da personalidade.
Todos nós possuímos uma verdade sobre nós que omitimos de nós mesmos e do mundo que nos cerca.
Esse filme retrata a trajetória de redenção de um homem que foi condenado a morte por ser acusado do assassinato de um jovem casal de namorados (e o estupro da moça). Mathew Poncelet (personagem de Sean), jovem perturbado pela ignorância, prepotência e busca de prazer a qualquer custo se vê confrontado com suas próprias ações destrutivas. Para se justificar ele culpa o estado, as pessoas, seu parceiro de crime, menos a si mesmo.
Entra na história a freira Helen (a personagem de Sarandon) que percorre junto com Poncelet uma caminhada de confronto com uma verdade dolorosa. O objetivo inicial dela é fazer com que aquele condenado a morte possa se redimir de seus pecados, como manda a tradição católica.
Quando assume o posto de conselheira espiritual de Poncelet, Helen se vê diante de dramas muito maiores do que imaginava no início: a dor e ódio dos pais das vítimas, a pressão do governo em relação a pena de morte, a indignação das pessoas frente sua defesa de Poncelet, e a comoção de toda uma comunidade ressentida com um crime hediondo.
Helen está diante de um embate social, psicológico, religioso e político, mas nenhum se compara com o dilema espiritual que ela enfrenta: como ajudar um homem a obter perdão depois que cometeu um ato de perversidade inimaginável?
Essa questão é muito tocante para mim. Pois todos nós carregamos uma parte perversa, outra vitimizada e ainda outra profundamente lúcida e cheia de compaixão.
O filme transcorre num esforço de grande amor por parte de Helen em ajudar um homem a sair da posição de vítima das circunstâncias e confrontar-se com seus atos terríveis a fim de alcançar toda a compaixão por si mesmo, ainda que esmagado pelo peso moral de seu crime.
Todos nós, em algum momento da vida, somos levados a encarar nossas próprias atitudes vis. Perceber que nem todos os nossos gestos são motivados por amor, carinho, respeito e justiça.
Que podemos ser bem cruéis com as pessoas que mais amamos. E que além de autores de dramas sem fim, também saímos chamuscados desses conflitos.
Todos carregam consigo suas cicatrizes. Acredito que a pessoa que se recusa a olhar para suas marcas torna-se fraca e inexpressiva, e a pessoa que se nega a perceber as feridas que provoca nos outros caminha sem consistência na alma.
Passar pela vida sem marcar ou ser marcado por alguém é uma tentativa ingênua e inócua de viver como uma criança, com uma pureza impotente. São nossas marcas e cicatrizes que nos tornam o que somos. Cada vinco de nosso rosto manifesta os risos e choros que tivemos ao longo do percurso.
Todos têm um lago de dor dentro de si e é importante que não tentemos secar esse lago, sob pena de ter uma vida sem movimento. As cicatrizes também nos pertencem na forma de aprendizado, saudade e superação. Evitar que nunca machuquemos ou sejamos machucados seria escolher por uma vida onde as águas calmas nos deixam paralisados…
Para um homem enfrentar seus “últimos passos” em direção a morte inevitável é preciso conviver com os cacos daqueles que amamos e odiamos na vida… É essencial suportar os cacos que carregamos de nós mesmos…
A trajetória de Matthew Poncelet no confronto com seus demônios é o retrato mais fiel que já vi de uma pessoa frente suas ações nefastas, ele as encara, assume e aceita as conseqüências dolorosas que as seguem.
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