Amor e histórias inacabadas
Você já deve ter vivido alguma história que marcou sua vida tão fortemente que jamais foi a mesma pessoa?
Parece que algo prendeu você no tempo e tudo o que mais desejaria é voltar lá, mesmo sabendo de todo o desenrolar.
Me lembro de uma mulher de seus 50 anos que se relacionou na adolescência com um jovem que ela ficou muito apaixonada. Ela teve que estudar fora da sua cidade e depois de alguns anos ao retornar descobriu cheia de decepção que ele havia se ordenado padre. Ela seguiu a vida em frente, casou, teve filhos, no entanto, algo dentro dela sempre chamou seu coração para aquela história. Não conseguia amar seu marido como amou o jovem quase-sacerdote. Ela saiu da cidade, não suportando vê-lo frequentemente na missa. Anos depois ela voltou para lá a fim de concluir algo que estava calando fundo há anos. Ao revê-lo, estranhou a sensação parecia a mesma mas era outra.
Me perguntei depois de ouvir essa história, o que mudou ali?
Freud ofereceu uma metáfora quando tentava explicar o caminho da libido no psiquismo. Ele dizia que a libido via se desenvolvendo pelas fases oral, anal, latência e fálica como índios exploradores. A tribo saia de um lugar seguro para outro ainda melhor, mas iam aos poucos, dividindo forçar. A cada grande caminhada se instalavam e formavam um grupo que se fixava num local enquanto o restante seguia rumo ao destino grandioso. Mas as vezes numa dessas caminhadas alguns inimigos entravam em luta. Qual o recurso para vencer uma batalha desvantajosa? Retornar ao agrupamento anterior mais numeroso.
O mesmo ocorre conosco. Diante de um novo embate psicológico a nossa mente recorre ao último momento de segurança e maior fixação dos sentimentos. Aquele lugar pode ou não ser seguro, mas o problema é que ele é inexistente.
Aquela mulher se tornou temerosa dos riscos do amor. Ficou impedida de vivenciar qualquer experiência nova, mais recompensadora ou não, do que aquela anterior. Ficou fixada no passado como a criança que resiste em sair do colo da mãe.
É a recusa pela vida e o movimento.
Assim como as tribos que se formam no meio do caminho, os amores passados tem a sua configuração própria. Cada um tem o seu sabor peculiar. Mas a mente humana que criar uma sensação de continuidade, não sabe lidar com quebras bruscas.
É como uma gestalt que não se fecha.
Algumas pessoas quando numa relação amorosa estável costumam idealizar aquela que já passou como a verdadeira história de sua vida. Mas esse artifício é meio simplista, pois é mais fácil culpar o marido pelos seus próprios medos e fracassos do que encarar que a vida teve que seguir em frente.
A tentativa de achar que o futuro será melhor é a mesma de idealizar o passado. O passado está congelado e pode receber as injeções de fantasias que quisermos.
A cada defeito que aquela mulher descobria do marido imediatamente ela recorria à imagem do jovem sacerdote. “Ele seria diferente, iria me tratar com mais respeito e atenção.”
Ela faz um movimento passivo na vida. Esconde de si o mal-estar pelo medo de dar uma virada em suas ações.
Recorrer ao ideal de amor aos pais ou à infância também configura essa situação.
O presente é o único tempo onde podemos de fato realizar algo. O que poderia ter sido e não foi, no fundo não poderia ter sido, exatamente por que não foi.
Mas se eu tivesse tentado? Se tivesse tentado tentaria, se não tentou não tentou e por isso aquilo é inútil.
O pior demônio que se deve exorcizar ao lidar com uma história mal acabada ou inacabada é perceber que se acabou foi acabada.
Vida em frente!
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Como amanhã responderei uma carta falando sobre sexualidade resolvi mudar o tema do sabadão.
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